- Bondoso senhor, o senhor cometeu uma infração e precisa ser punido.
- Mas o que eu fiz?
- Está parado em local proibido.
- O quê?
- Local proibido.
- Mas eu não estou de carro.
- As regras são válidas para veículos e pessoas.
- Mas isso é inaceitável! Um absurdo completo!
- Não desconte em mim, distinto senhor. Não fui eu quem criou as regras.
- E o quê o senhor vai fazer? Vai me multar?
- De forma alguma, senhor. A punição prevista em lei é uma advertência
verbal. O senhor parou em local proibido! Eu estou te advertendo verbalmente! E
que isso não se repita!
- Acho que não entendi direito. O senhor acaba de me passar um sermão?
- Apenas cumprindo meu dever, senhor.
- Estou atônito. Os policiais deste país cumprem o dever de maneira muito
peculiar, devo dizer.
- Não sou policial, senhor. Sou apenas um cidadão de bem. Se eu fosse um
policial não teria sido tão condescendente com o senhor.
- Céus! O que um policial faria?
- Coisas terríveis. O senhor ficaria surpreso. A polícia daqui é muito
severa quando se trata de cumprir a lei.
- Mas o senhor acha que eu teria uma punição muito pesada se um oficial
tivesse me surpreendido parado em local proibido?
- Esta foi a primeira vez que o senhor cometeu este delito?
- Acredito que sim.
- Provavelmente teria apontado o dedo indicador para o senhor.
- Só isso?
- Claro que não. Ele também olharia para o senhor com o mais gelado olhar
de reprimenda. O senhor iria se sentir mal por pelo menos uns quinze minutos.
Isso lhe ensinaria a lição.
- Digamos que eu fosse reincidente neste tipo de infração.
- Tremo só de pensar...
- O que o policial faria?
- Se fosse um desses policiais truculentos, que gostam de abusar do poder
de autoridade que lhes foi outorgado, ou se fosse um dos bonzinhos, que acham
que todos merecem uma segunda chance?
- Os dois.
- O primeiro levantaria a voz para o senhor e poderia até lhe puxar a
orelha com força moderada. O segundo apenas ameaçaria levantar a voz.
- E depois?
- Depois o quê?
- O que ele faria depois de ameaçar levantar a voz?
- Não faria nada.
- E eu deveria ter medo disso?
- Claro que sim. Quem não teria?
- Mas os policiais não deveriam se ocupar com criminosos de verdade, como
assaltantes e homicidas?
- De acordo com a nova política do governo, devemos investir nossos
esforços no cidadão comum, a partir de eventos simples do cotidiano, com o
objetivo de moldar exemplos de boa conduta dentro da sociedade.
- O que quero dizer é que os policiais deveriam ter outras prioridades.
- Com licença, senhores.
- Pois não?
- Podemos ajudar?
- Vou precisar dos relógios e das carteiras. Caso contrário, serei
forçado a atirar.
- Meu bom Deus! Estamos sendo assaltados?
- Era exatamente sobre isso que eu estava falando. Este sim é um
criminoso que merece a atenção das forças policiais. Armado e perigoso.
- Devo concordar com o senhor. Ele realmente parece determinado a
provocar delitos moralmente inaceitáveis.
- Parado aí, meliante. O senhor está preso.
- É a polícia! Parece que estamos com sorte, meu senhor.
- Faça a bondade de soltar a arma e pedir desculpas aos transeuntes.
- Sim, senhor. Os senhores façam a bondade de aceitar minhas mais
sinceras desculpas.
- Diga que está arrependido.
- Estou muito arrependido.
- E me entregue o revólver.
- Não é um revólver. Era só o meu dedo por debaixo da camisa.
- Muito bem então. Vamos analisar a sua conduta. Você é reincidente?
- Eu devo admitir que certa feita constrangi uma senhora a me entregar
sua bolsa.
- Nesse caso, terei que apertar seu braço...
- Ai!
- ...dar um puxão de orelha com força moderada...
- Aaaa!
- ...e jogar spray de pimenta em seus olhos.
- Vai fazer isso agora?
- Parece que esqueci meu spray. Mas acho que você já entendeu a mensagem.
- Com certeza. Sinto-me reabilitado.
- Ótimo. Pode seguir então. E quanto aos senhores, vou deixar o telefone
do psicólogo da delegacia, em caso de algum trauma emocional causado pelo
assalto.
- O assalto não foi nada diante da cena dantesca que acabamos de
testemunhar. O senhor oficial acredita ter sido necessária tamanha violência?
- Os senhores me desculpem se os obriguei a assistir a aplicação de uma
pena tão severa. Esta vida de policial nos expõe a elevados níveis de estresse,
o que acaba por nos deixar um pouco selvagens.
- Desculpem a intromissão, mas estou pasmo com o que acabei de
presenciar. O senhor simplesmente deixou que o bandido fosse embora. Que
justiça é essa? Ele merecia algo mais efetivo, como ser algemado e pelo menos
encaminhado à delegacia.
- O senhor não é daqui, não é mesmo?
- Como o senhor policial adivinhou?
- O senhor está parado em local proibido.
- E não é a primeira vez. Já o adverti há alguns instantes.
- Reincidente, não é mesmo? Acho que terei que elevar o tom da minha voz.
Autoria: O chinelo da minhoca
Imagem: programa Monty Phyton