A SAGA DE ZEA MAYS
Ele nasceu numa terra estranha,
insólita. Cresceu sem nenhuma orientação. Ninguém que pudesse lhe dar carinho,
atenção. Desde cedo aprendeu a ser forte, pois de nada adiantava chorar. Seu
lar era um local apertado, quente, escuro. Ele simplesmente não conseguia ver
nada. Às vezes escutava ruídos ao seu redor, e um dia compreendeu que não
estava sozinho naquele lugar sombrio. Havia outros como ele. Muitos outros. Mas
não podiam sequer falar uns com os outros. Ninguém sabia falar. Existência
silenciosa...
Um dia, acordou assustado. O chão
estava tremendo. Sentiu que algo estava errado. Ouviu um barulho distante, que
aos poucos foi aumentando até se tornar ensurdecedor. Ten-tou se mover, mas não
conseguiu. De repente, sentiu um forte impacto, como se sua casa tivesse sido
arrancada do chão e atirada em um despenhadeiro. E o barulho continuava, e o
chão não parava de tremer. Após longos 20 minutos, abruptamente, tudo ficou silencioso.
Mas desta vez o silêncio trazia medo e insegurança. Súbito, ele sentiu que sua
casa se movia novamente. Sentiu novo impacto, dessa vez um pouco mais forte, e
acabou desmaiando...
Acordou assustado. Algo estava
tentando entrar em sua casa, forçando as paredes com uma força descomunal.
Nesse momento ele pressentiu que o pior estava por vir. Um pedaço da parede foi
arrancado violentamente e a luz lhe tocou os olhos pela primeira vez. Ficou
momentaneamente cego, ainda percebendo que as paredes estavam sendo destruídas
uma a uma. Finalmente abriu os olhos e conseguiu ver os seus companheiros que
se agrupavam ao seu redor. Nenhum deles tinha cabelos e todos apresentavam uma
pele muito amarelada. Percebeu que se parecia muito com eles. Talvez fossem todos
irmãos. Tentou se mover e nem saiu do lugar. Olhou para baixo e teve uma
surpresa. Seus pés, assim como os de seus colegas, estavam colados a uma
superfície branca e áspera. E mais uma vez sentiu que estavam em movimento, mas
não ouviu aquele barulho estranho. Todos foram atirados em uma espécie de
tanque que estava repleto de água. Felizmente não se molhou muito, ao contrário
da maioria de seus colegas. Percebeu que estava boiando. E tudo ficou escuro
novamente...
Após alguns minutos, começou a
sentir muito calor. O local estava ficando muito quente e úmido. Era uma
sensação estranha. Seu corpo ficou inchado. Sua pele parecia estar mais fina. A
pressão era alta. Pensou que fosse morrer. Um apito sonoro se fez ouvir. Mais
uma vez a luz voltou a iluminar os seus olhos. Foi retirado da água. Para seu
espanto, viu que estava sendo transportado por um estranho ser, gigantesco e
rude. Foi colocado em um local aberto. Ficou apavorado ao perceber que estava
cercado por vários daqueles enormes seres. O que estava acontecendo? Todos os
gigantes se juntaram, lado a lado, formando um círculo ao redor dele e de seus
irmãos. Foi agarrado por um dos gigantes, que começou a untá-lo com um material
estranho e oleoso. Depois foi coberto por algum tipo de pó branco. Parecia que
tudo fazia parte de uma espécie de ritual perverso. Por fim, um dos gigantes se
aproximou e abriu sua enorme boca. Era o fim. O pânico era intenso...
Ainda estava vivo, como que por
milagre. A mordida do gigante libertou seus pés. Encontrou-se envolto por
saliva e restos dilacerados de seus companheiros. Dentes e língua se movendo
rapidamente, estraçalhando tudo e todos. Nunca havia imaginado tamanho horror.
Começou a se jogar de um lado para outro, tentando se esquivar das investidas
do seu algoz. Foi se encolhendo cada vez mais até ser empurrado para a garganta
do monstro...
A queda foi longa. Agora estava
em um lago ácido e sombrio. Alguns de seus irmãos lutavam para sobreviver, mas
por estarem muito feridos, eram lentamente consumidos pela acidez. Percebeu que
agora era o único sobrevivente. Estava sozinho. Mas alguma força interna lhe
dizia para não desistir. Depois de tudo aquilo, só lhe restava lutar. Tinha
esperança ainda. Talvez pudesse escapar. Aguardou em silêncio. Ficou dias
procurando uma saída. Vasculhou todo o local até encontrar um novo túnel, que
o levou até um lugar fétido e de paredes amolecidas. Ficou preso em uma bola de
muco e restos de criaturas devoradas pela besta. Deveria apenas esperar e
torcer para que algo o libertasse...
Após várias horas, vislumbrou
novamente a luz. E novamente mergulhou em águas estranhas. Percebeu que o
gigante já não o prendia mais. Nadou rapidamente através de um re-demoinho que
o levou através de uma grande correnteza. Foi jogado de um rio para outro, de
corredeira para corredeira, até se ver livre num ambiente calmo e ensolarado.
Fez um grande esforço e conseguiu chegar à uma das margens. Não conseguia
acreditar. Sentiu uma tranqüi-lidade que há muito lhe era privada. Deitado ali
sobre a lama, adormeceu. E sonhou que um dia estaria novamente com seus
irmãos...
Ao acordar, sentiu que novamente
estava preso pelos pés. Uma parte de seu corpo se encontrava afundada na lama,
mas dessa vez a sensação era boa. Sentiu-se forte. Olhou para o sol e percebeu
que ele lhe dava energia. Tinha vontade de crescer e chegar cada vez mais perto
dos céus. Sua cor estava diferente, um tanto quanto esverdeada. Crescia cada
vez mais. E foi naquele momento que decidiu que seria o criador de uma nova
família, que não seria abandonada como a sua. Cuidaria dela com todo o carinho.
Infelizmente, sabia que teria que escondê-la do mundo e da visão dos gigantes.
Para isso, decidiu cobrir seus filhos por longas camadas de folhas verdes, para
que ninguém jamais descobrisse que ali morava uma bela e unida espiga de milho.
Autoria = O chinelo da minhoca
*Agora leia o texto de novo imaginando o milho desde o início... (ou vá assistir aos jogos olímpicos com os sagazes comentários do Galvão ou do Romário - cruzes!)
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