terça-feira, 15 de dezembro de 2015

SOBRE MENTIRAS, MEDICINA E BOM SENSO



"Uma mentira pode dar a volta ao mundo, enquanto a verdade ainda calça seus sapatos."
- Mark Twain

"Keep pushing that lie. Keep pushing till you make it true."
- Leonardo DiCaprio como Frank Abagnale Jr no filme "Prenda-me se for capaz"


Cuidado com as mentiras, pessoal. Elas estão sendo empurradas e divulgadas e distribuídas de modo a mudar a verdade!

"Cura da calvície"
"Parto humanizado é só com parteira"
"Receita de óculos é na óptica..."
"Tratamentos estéticos de qualidade pela metade do preço"
"Vitiligo tem cura: ligue para o número..."

É muita informação errada, tendenciosa, enganosa que vemos e ouvimos por aí, todas com o objetivo de mudar os conceitos e levar alguma vantagem (geralmente monetária, mas existem muitas pessoas que gostam é de aparecer e de dar uma de entendido). A maioria delas era vista apenas em cartazes afixados em postes e em anúncios de rádio, mas agora estão pipocando em nossas telas de computadores, com uma cara de pau ainda maior. 

Engraçado.
Quando precisei fazer um canal no dente, não procurei um arquiteto ou um engenheiro.
Quando precisei comprar pão, não procurei um escritório de advocacia.
Quando meu carro estragou, não procurei uma firma de publicidade.
Por quê?
Porque sei que o dentista cuida dos dentes, que o pão é comprado na padaria, que o carro é consertado em oficina. Porque algumas coisas são muito óbvias. Algumas coisas não entram em discussão. É o chamado "senso comum", ou talvez até de "bom senso".

Mas qual é o problema do bom senso? O problema é que todo mundo acha que tem.
O problema é que o bom senso precisa de regras. Regras que são estabelecidas nos nossos lares, nas escolas, nas ruas, na nossa vida em geral. Mas o bom senso varia muito, dependendo do meio onde a pessoa está inserida.

Ele não tinha carteira de motorista? Então por que estava dirigindo?
Ele não tinha carteira da OAB? Então por que estava advogando?
Ele não tinha carteira de médico? Então por que estava atendendo como médico?

Isso parece uma tremenda falta de bom senso, não é mesmo? Mas o problema é que estamos inseridos no Brasil! E aqui no Brasil temos uma grande crise de bom senso. Porque aqui temos a cultura do jeitinho, da escapadinha, do mais barato, do rapidinho, ninguém está olhando, ninguém liga, ninguém fiscaliza, ninguém pune, entre outros. Nosso problema como brasileiros está na falta de senso, na irresponsabilidade, na ganância, no jeitinho brasileiro, na pirracinha de querer ter direito sem querer ter os deveres.

Estou falando isso tudo como introdução para falar do assunto que anda me incomodando cada vez mais: a falta de respeito com a medicina e com a saúde no Brasil. Não aprovaram a Lei do Ato Médico, tudo bem, não vou entrar na discussão sobre o que estava escrito nessa lei que tanto incomodou outras áreas da saúde. Mas acho que deveria sim existir uma lei que deixasse bem claro o que é função exclusiva do médico. Porque se não existir uma lei falando isso, o jeitinho brasileiro aos poucos vai se apoderando de vários atos médicos, que passam a ser tratados como ato público, que qualquer pessoa pode exercer.

Precisamos de regras sim, pois senão vira baderna.
Precisamos estabelecer o que é a medicina sim, pois já virou baderna.
Tá cheio de espertinho se valendo da máxima "o que não é proibido, é permitido"!

Todo mundo gosta de dar palpite em relação a remédios. Sua mãe, sua vizinha, o padeiro, o trocador, o engenheiro, o balconista, etc. E tá errado! A banalização começa desse jeito. Vai virando "senso comum" que este ou aquele remédio é tranquilo, que todo mundo pode usar, então todo mundo também pode prescrever. Vai virando senso comum que você pode comprar os óculos de grau na barraquinha do camelô, que você pode tratar uma apendicite aguda com o pastor da igreja, que você pode fazer tratamentos miraculosos em Cuba, que basta ligar para o número que aparece em seu televisor e nós te enviaremos a cura do câncer e dois potes de creme de jacarandá antirrugas.

E todo mundo fica morrendo de medo do mosquito da dengue, porque se ele encostar o biquinho dele em alguém a pessoa pode ter inúmeras doenças... E de agulha ninguém tem medo! Que é muito maior, entra mais fundo e pode provocar muito mais coisas do que todos os mosquitinhos juntos!
Mas agulha tá tranquilo, já virou senso comum que todo mundo pode enfiar agulha em qualquer pessoa. Olha o senso comum aí! Se o fulano pode encostar agulha na pele, então eu também posso. Se já encostei a agulha, por que não posso enfiar ela um pouquinho? Se já cheguei na derme, porque não enfio até na gordura? Já que enfiei a agulha toda, porque não aproveito e injeto alguma coisa? Se já estou injetando e não tá dando errado, porque eu não aproveito e começo a aspirar alguma coisa? Se já faço isso tudo, por que não fazer outras coisas também?
"Credo, que exagero!"
Estou exagerando? Vamos esperar mais uns 10 anos e vamos ver se é mesmo exagero.
Alguns anos atrás, só médico que fazia tratamento com laser, aplicação de botox, etc. Hoje em dia, todo mundo aplica laser e botox em todo mundo e em qualquer lugar, com 90% off se você procurar naqueles grupos de desconto da internet.

Tá cheio de gente fazendo curandeirismo, charlatanismo, exorcismismo, picaretismo, e outros ismos por aí...

Não quer estudar pra ser médico. Quer é fazer cursinho de alguma coisa que enfia agulha nos outros, vestir uma roupa branca, colocar "Dr Fulano" bordado no jaleco e sair por aí fazendo excrementos e cobrando caro. Quer fazer um grupo de discussão na internet pra ficar falando mal dos médicos e dar conselhos de tratamentos medicamentosos com riscos de efeitos colaterais sérios (que o digam os marombeiros que ficam ensinando como usar hormônios de crescimento e outras bombas). Quer levantar a bandeira do parto humanizado dentro da lagoa no meio da selva, apoiando os pés em dois botos e usando o dente do jacaré pra cortar o cordão umbilical. Haja falta de senso!
E falta bom senso nas duas extremidades da agulha, pois a pessoa que leva a agulhada também deveria ter noção do risco que está correndo.
Quem aceita ser tratado ou orientado por certas pessoas de capacitação duvidosa também tem culpa quando alguma coisa dá errado. Mas aí quando dá problema o que a pessoa faz? Finge que foi enganada, que achou que era tudo igual, chora as pitangas e vai pra onde? Vai procurar o médico pra tentar resolver (isso se não morrer ou entrar em coma antes). É sempre assim = é mais barato, é mais fácil, é mais tranquilo, no grupo do facebook falaram que era bom, então vamos fazer. Se der errado, aí eu vou no médico. E engraçado que quando dá errado, quase ninguém processa, porque no fundo sabem que tomaram ferro porque tentaram dar uma de espertão. E essa impunidade estimula ainda mais essa turminha a continuar passando a perna nas pessoas.
"Ah, mas tem muito médico ruim!"
Concordo. Tem mesmo. Somos todos brasileiros com mania de jeitinho, não somos? Tá cheio de médico fazendo coisa errada por aí. Mas não são todos que são assim e, infelizmente para vocês, espertões, os médicos ainda são muito mais seguros do que os blogueiros. Então, se você não confiou no primeiro, procure o segundo. Melhor pegar uma segunda ou terceira ou quarta opinião com um médico do que na internet.
Se ainda prefere se informar pelas redes sociais, um conselho: ao invés de procurar um fórum de alguma picaretagem, procure um fórum de discussão sobre bons médicos, peça indicações de amigos ou parentes. Com certeza você vai encontrar uma solução mais realista para o seu problema. 

O chinelo da minhoca