- Jaime!
- O que foi?
- Ela tá olhando para nós e sorrindo.
- Quem?
- A moreninha de saia azul e bolsinha
branca.
- Aquela ao lado do gigante de calça
bege, camisa clara e revólver cinza, que também ta olhando pra nós, mas sem o
mesmo sorriso?
- Essa mesmo.
- Então pára de olhar senão ele mata a
gente, seu maluco!
- Ele e mais quantos?
- Oswaldo, você não tá legal. A sua
lente deve estar com mau contato. O sujeito tem quase dois metros de altura.
- Quem luta Kwa-kin-do não tem medo.
- Kwaqui o quê?
- A arte milenar desenvolvida na Índia
pelo mestre Abu-Tawel.
- Não importa de onde isso veio. Se o
cara te der um tiro você já era!
- Nada disso, meu amigo. Nós
kwaquinducas somos treinados para desviar de balas, entortar o cano da arma e
nocautear o agressor usando apenas um golpe de cotovelo.
- Estou impressionado. Acho que nunca
tive a oportunidade de ouvir uma asneira tão grande.
- Quer que eu prove?
- Não. É melhor ter um amigo maluco que
um amigo morto.
- Eu estou falando sério. Quer ver?
Chama ali o Nogueira.
- Nogueira!
- Oi, turma. Qualé a parada? Vocês
viram a moreninha ali atrás?
- Falei com o Jaime. Só que o cara não
conhece o Kwa-kin-do.
- O quê? Você nunca ouviu falar da arte
marcial mais mortífera do mundo? É a nova onda. Ninguém mais quer saber de
Jiu-Jitsu, onde as lutas duram cerca de meia hora. Com o Kwa-kin-do você
espanca seu adversário em menos de meio minuto. É fantástico. E aquele golpe de
cotovelo então?
- Já entendi. Vocês estão falando
daquela arte de defesa israelense, não é mesmo?
- Krav Magá? Meras carícias diante da
truculência kwaquinduca.
- Puxa! Deve ser um esporte muito
violento.
- Violentíssimo! É tão mortal que os
planos de saúde colocam nas letras miúdas: “Não cobrimos pacientes atropelados
por elefantes ou vítimas do Kwa-kin-do”.
- Os praticantes de Kwa-kin-do foram
até proibidos de participar de lutas de MMA, pois pedaços dos oponentes
poderiam provocar ferimentos nos espectadores.
- Nossa! E vocês não têm medo de
machucar alguém?
- Quem luta Kwa-kin-do não tem medo!
- Não tem.
- Vocês estão falando do Kwa-kin-do?
- Chega mais, Ricardo. Fala aqui pro
Jaime sobre o Kwa-kin-do.
- Vou te dar apenas um vislumbre:
imagina uma melodia bem suave daquelas flautinhas de bambu, algumas cabanas de
palha, o sol poente, ao fundo um arrozal...
- Isso tá parecendo o Japão medieval, e
não a Índia.
- É um estilo multi-étnico, sacou?
Desenvolvido na Índia por um árabe que veio da Oceania. O nosso mestre é
chinês, mas aprendeu a lutar na Japão. Agora cala a boca e imagina logo a
parada. Imaginou? Pois é. O Kwa-kin-do consiste em uma técnica marcial ampla e
harmoniosa que integra todos os movimentos selvagens dos ursos pardos com a
agilidade das serpentes. Cada golpe representa algo mais profundo sobre a
natureza humana, e sua filosofia estimula o desenvolvimento de uma via interior
que leva o discípulo ao mais alto patamar do saber. Superamos o medo e a
ignorância através de exercícios práticos dentro de grupos de discussões.
- E onde são realizados esses grupos de
discussões?
- Nosso mestre nos leva até um barzinho
de beira de estrada, xinga a mãe de alguns motoqueiros e, após algumas
discussões inflamadas, a gente desce a porrada em todo mundo.
- É uma abordagem de ensino inovadora.
- Principalmente quando envolve aquele
golpe com o cotovelo.
- Puxa! Comecei a ficar interessado. E
como eu faço pra aprender o Kwa-kin-do?
- Não é nada fácil. Você deve reunir
toda a sua coragem e empreender uma jornada de auto-conhecimento holística até
o coração do deserto de Thar, na Índia. Após dez dias de penitência, onde terá
como companhia somente as estrelas, um lagarto chamado Fileas e seis gomos de
mexerica ponkan, você mergulhará nas águas misteriosas do lago de Pushkar, e
nele permanecerá por quatro dias, sob a lua cheia de Kartik Purnima. Então, se
ainda estiver vivo e sem seqüelas graves, você será guiado até o templo sagrado
onde o príncipe Tawel-kelad III irá lhe conceder a sua benção e, com um ferro
em brasa, vai marcar a sua virilha com o sinal da flor de lótus. Aí é só voltar
e fazer sua inscrição na academia ali da esquina. As aulas são ministradas em
uma câmara secreta no subsolo.
- Vocês passaram por tudo isso?
- Não. O professor da academia
precisava de uns favores políticos, de um advogado e de um chaveiro pra
conseguir abrir o estabelecimento, e como meu pai é deputado...
- E o meu, advogado...
- E eu tenho a manha de abrir aquele
tipo de fechadura...
- Caramba. Acho que eu vou ficar só na
vontade.
- Talvez não. Olha o mestre ali no
fundo, tomando um goró. Vamos ver o que ele pode fazer pra te ajudar. Sábio
mestre! O senhor por aqui?
- Fola do tatame, mim não mestle? Mim
apenas instlumento da fúlia divina de meus ancestlais. Deixem-me em paz ou
soflam as consequências!
- Viche! Tá numa manguaça só.
- Calma, mestre. Viemos em paz. Só queríamos pedir que o senhor orientasse
o nosso amigo aqui.
- Ele quer aprender os sagrados
ensinamentos do Kwa-kin-do.
- Cliatula indefesa, plimeilo você deve
empleender uma jolnada de auto-conhecimento holística...
- Já expliquei essa parte pra ele.
- Falou do lagalto?
- Claro.
- E da flor de lótus?
- Também.
- E o quê ele faz aqui ainda?
- Esperávamos que o senhor pudesse
ajudá-lo, encurtando um pouco a sua odisséia.
- Ele também filho de alguém
impoltante?
- Não.
- Então não há outla opção. A menos
que...
- O quê?
- Você consiga dar a lesposta de tlês
enigmas?
- Pelos deuses!
- O senhor quer dizer... Aqueles
enigmas?
- Sim. Os antigos enigmas das planícies
de Qin Chuan, que estimulalam o meu povo a buscar lespostas pala o motivo de
toda a nossa existência.
- Mas mestre, eu nem sei de que buraco
o senhor saiu. Quanto mais a resposta de um enigma assim tão antigo e
misterioso.
- Cale-se e lesponda o mais lápido
possível: Se o dlagão bota ovo, qual o motivo da galinha não cospir fogo? Como
se toma sopa com dois pauzinhos? Se o saco do saquê secou, se seca sem secador
ou sai sem sacar que o saco só se seca se a sacolada é bem sacada?
- A galinha é uma ave, use uma colher
da próxima vez, e o peito do pé do padre Pedro é preto.
- Unnnnnn...
- Acho que ele não ficou satisfeito.
- Talvez você tenha ofendido ele.
- Ou toda a civilização oriental.
- Unnnnnn...
- Corra, Jaime! Salve sua vida!
- Não se mova! Mestle pensando... Sua
plimeila lesposta foi espelta, a telceila intligante e a segunda pode mudar
pala semple a minha lelação de amor e ódio pela sopa. Acho que podemos
aploveitá-lo. Seja bem vindo, pequeno lagalto do deselto.
- Quer dizer que o senhor vai me
ensinar o Kwa-kin-do?
- Sim. E sua plimeila lição selá me
conseguir o telefone daquela moleninha ali.
- A de saia azul? Mas o cara que está
com ela tem uma arma.
- Nesse caso, mestle vai dar uma
saidinha e volta já.
- Está com medo, mestre? Mas eu achei
que...
- Quem luta Kwa-kin-do não tem medo!
Mestle apenas quer um pouco de espaço pla alongar o cotovelo...
Autoria: O chinelo da minhoca
Foto: filme Karate Kid
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