quinta-feira, 20 de setembro de 2012

KWA-KIN-DO




- Jaime!
- O que foi?
- Ela tá olhando para nós e sorrindo.
- Quem?
- A moreninha de saia azul e bolsinha branca.
- Aquela ao lado do gigante de calça bege, camisa clara e revólver cinza, que também ta olhando pra nós, mas sem o mesmo sorriso?
- Essa mesmo.
- Então pára de olhar senão ele mata a gente, seu maluco!
- Ele e mais quantos?
- Oswaldo, você não tá legal. A sua lente deve estar com mau contato. O sujeito tem quase dois metros de altura.
- Quem luta Kwa-kin-do não tem medo.
- Kwaqui o quê?
- A arte milenar desenvolvida na Índia pelo mestre Abu-Tawel.
- Não importa de onde isso veio. Se o cara te der um tiro você já era!
- Nada disso, meu amigo. Nós kwaquinducas somos treinados para desviar de balas, entortar o cano da arma e nocautear o agressor usando apenas um golpe de cotovelo.

- Estou impressionado. Acho que nunca tive a oportunidade de ouvir uma asneira tão grande.
- Quer que eu prove?
- Não. É melhor ter um amigo maluco que um amigo morto.
- Eu estou falando sério. Quer ver? Chama ali o Nogueira.
- Nogueira!
- Oi, turma. Qualé a parada? Vocês viram a moreninha ali atrás?
- Falei com o Jaime. Só que o cara não conhece o Kwa-kin-do.
- O quê? Você nunca ouviu falar da arte marcial mais mortífera do mundo? É a nova onda. Ninguém mais quer saber de Jiu-Jitsu, onde as lutas duram cerca de meia hora. Com o Kwa-kin-do você espanca seu adversário em menos de meio minuto. É fantástico. E aquele golpe de cotovelo então?
- Já entendi. Vocês estão falando daquela arte de defesa israelense, não é mesmo?
- Krav Magá? Meras carícias diante da truculência kwaquinduca.
- Puxa! Deve ser um esporte muito violento.
- Violentíssimo! É tão mortal que os planos de saúde colocam nas letras miúdas: “Não cobrimos pacientes atropelados por elefantes ou vítimas do Kwa-kin-do”.
- Os praticantes de Kwa-kin-do foram até proibidos de participar de lutas de MMA, pois pedaços dos oponentes poderiam provocar ferimentos nos espectadores. 
- Nossa! E vocês não têm medo de machucar alguém?
- Quem luta Kwa-kin-do não tem medo!
- Não tem.
- Vocês estão falando do Kwa-kin-do?
- Chega mais, Ricardo. Fala aqui pro Jaime sobre o Kwa-kin-do.
- Vou te dar apenas um vislumbre: imagina uma melodia bem suave daquelas flautinhas de bambu, algumas cabanas de palha, o sol poente, ao fundo um arrozal...
- Isso tá parecendo o Japão medieval, e não a Índia.
- É um estilo multi-étnico, sacou? Desenvolvido na Índia por um árabe que veio da Oceania. O nosso mestre é chinês, mas aprendeu a lutar na Japão. Agora cala a boca e imagina logo a parada. Imaginou? Pois é. O Kwa-kin-do consiste em uma técnica marcial ampla e harmoniosa que integra todos os movimentos selvagens dos ursos pardos com a agilidade das serpentes. Cada golpe representa algo mais profundo sobre a natureza humana, e sua filosofia estimula o desenvolvimento de uma via interior que leva o discípulo ao mais alto patamar do saber. Superamos o medo e a ignorância através de exercícios práticos dentro de grupos de discussões.
- E onde são realizados esses grupos de discussões?
- Nosso mestre nos leva até um barzinho de beira de estrada, xinga a mãe de alguns motoqueiros e, após algumas discussões inflamadas, a gente desce a porrada em todo mundo.
- É uma abordagem de ensino inovadora.
- Principalmente quando envolve aquele golpe com o cotovelo.
- Puxa! Comecei a ficar interessado. E como eu faço pra aprender o Kwa-kin-do?
- Não é nada fácil. Você deve reunir toda a sua coragem e empreender uma jornada de auto-conhecimento holística até o coração do deserto de Thar, na Índia. Após dez dias de penitência, onde terá como companhia somente as estrelas, um lagarto chamado Fileas e seis gomos de mexerica ponkan, você mergulhará nas águas misteriosas do lago de Pushkar, e nele permanecerá por quatro dias, sob a lua cheia de Kartik Purnima. Então, se ainda estiver vivo e sem seqüelas graves, você será guiado até o templo sagrado onde o príncipe Tawel-kelad III irá lhe conceder a sua benção e, com um ferro em brasa, vai marcar a sua virilha com o sinal da flor de lótus. Aí é só voltar e fazer sua inscrição na academia ali da esquina. As aulas são ministradas em uma câmara secreta no subsolo.
- Vocês passaram por tudo isso?
- Não. O professor da academia precisava de uns favores políticos, de um advogado e de um chaveiro pra conseguir abrir o estabelecimento, e como meu pai é deputado...
- E o meu, advogado...
- E eu tenho a manha de abrir aquele tipo de fechadura...
- Caramba. Acho que eu vou ficar só na vontade.
- Talvez não. Olha o mestre ali no fundo, tomando um goró. Vamos ver o que ele pode fazer pra te ajudar. Sábio mestre! O senhor por aqui?
- Fola do tatame, mim não mestle? Mim apenas instlumento da fúlia divina de meus ancestlais. Deixem-me em paz ou soflam as consequências!
- Viche! Tá numa manguaça só.
- Calma, mestre. Viemos em paz. Só queríamos pedir que o senhor orientasse o nosso amigo aqui.
- Ele quer aprender os sagrados ensinamentos do Kwa-kin-do.
- Cliatula indefesa, plimeilo você deve empleender uma jolnada de auto-conhecimento holística...
- Já expliquei essa parte pra ele.
- Falou do lagalto?
- Claro.
- E da flor de lótus?
- Também.
- E o quê ele faz aqui ainda?
- Esperávamos que o senhor pudesse ajudá-lo, encurtando um pouco a sua odisséia.
- Ele também filho de alguém impoltante?
- Não.
- Então não há outla opção. A menos que...
- O quê?
- Você consiga dar a lesposta de tlês enigmas?
- Pelos deuses!
- O senhor quer dizer... Aqueles enigmas?
- Sim. Os antigos enigmas das planícies de Qin Chuan, que estimulalam o meu povo a buscar lespostas pala o motivo de toda a nossa existência.
- Mas mestre, eu nem sei de que buraco o senhor saiu. Quanto mais a resposta de um enigma assim tão antigo e misterioso.
- Cale-se e lesponda o mais lápido possível: Se o dlagão bota ovo, qual o motivo da galinha não cospir fogo? Como se toma sopa com dois pauzinhos? Se o saco do saquê secou, se seca sem secador ou sai sem sacar que o saco só se seca se a sacolada é bem sacada?
- A galinha é uma ave, use uma colher da próxima vez, e o peito do pé do padre Pedro é preto.
- Unnnnnn...
- Acho que ele não ficou satisfeito.
- Talvez você tenha ofendido ele.
- Ou toda a civilização oriental.
- Unnnnnn...
- Corra, Jaime! Salve sua vida!
- Não se mova! Mestle pensando... Sua plimeila lesposta foi espelta, a telceila intligante e a segunda pode mudar pala semple a minha lelação de amor e ódio pela sopa. Acho que podemos aploveitá-lo. Seja bem vindo, pequeno lagalto do deselto.
- Quer dizer que o senhor vai me ensinar o Kwa-kin-do?
- Sim. E sua plimeila lição selá me conseguir o telefone daquela moleninha ali.
- A de saia azul? Mas o cara que está com ela tem uma arma.
- Nesse caso, mestle vai dar uma saidinha e volta já.
- Está com medo, mestre? Mas eu achei que...
- Quem luta Kwa-kin-do não tem medo! Mestle apenas quer um pouco de espaço pla alongar o cotovelo...


Autoria: O chinelo da minhoca
Foto: filme Karate Kid








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