Nós somos do Clube Atlético Mineiro
Nosso time tem mais de cem anos, mas seu coração bate forte.
E o sangue alvinegro que corre em suas artérias é o mesmo que flui em turbilhão
no peito do atleticano, que já dispensou o check-up anual do cardiologista.
Alguém que sobrevive a três decisões definidas na marca do pênalti em um único
campeonato não precisa de tratamento. Precisa é ser preso e estudado, pois dele
pode ser extraída alguma vacina contra o infarto.
Jogamos com muita raça e amor
Jogamos com câimbras, com tornozelos torcidos, canelas
inchadas, dedos quebrados, ombros luxados, testas cortadas, músculos
distendidos, diarreia, infecções de pele, caspa e frieira. Jogamos por amor a
uma vestimenta imortal, que carrega o começo da palavra CAMpeão, ou o final da
frase “yes, we CAM” (e que Obama não se ofenda com o nosso neologismo). Jogamos
por amor incondicional, e não por simpatia.
Vibramos com alegria nas vitórias
Alegria que parecia não ter sido feita para nós. Alegria que
nem sabíamos se seríamos capazes de expressar, já que só a conhecíamos na
teoria, em sonhos, simulações, projeções, apostas, brincadeiras, piadas, fotos
em preto e branco, ou simplesmente na lembrança nostálgica de quem viveu a
glória dos anos de mil novecentos e sorvete Kibom na lata de alumínio. Alegria
que irrompeu na madrugada, após o som de uma bola batida no travessão.
Clube Atlético Mineiro. Galo forte vingador
Um clube sofrido. Um clube que diversas vezes teve os sonhos
usurpados pelo azar, pela incompetência, ou pela simples e dura roubalheira
descarada. Um clube que desta vez se recusou a sair do Horto para morrer na
praia. Um clube alcunhado de “cavalo paraguaio” por morsas paulistas, mas que
se recusou a perder o derby do Mineirão, mostrando que de paraguaio este time
já não tem mais nada. Mais forte que o
Strongest. Com mais poder de fogo que qualquer Arsenal. Mais iluminado que
qualquer santo. Assim foi o início da caminhada. E a cada passo, o passado era
esquecido. A tristeza ia desaparecendo. Injustiças, azar, juízes com
inclinações cleptomaníacas? Pois é chegada a hora da desforra. Bem aventurados
os que seguraram o grito por tantos anos, pois o ano de dois mil e galo chegou.
O calendário maia acabou em 2012, e o do galo começou em 2013, trazendo consigo
o espírito vingador a muito adormecido.
Vencer, vencer, vencer. Este é o nosso ideal
Vencendo tudo e todos. Desta vez vencendo os adversários, os
árbitros, os comentaristas, os invejosos, os recalcados, as estatísticas, as
tradições e a desconfiança. Uma primeira fase mágica, repleta de exibições
ilusionísticas do nosso bruxo, que olha para um lado, chuta para o outro, salta
para a comemoração e reverencia a torcida enlouquecida (tudo isso sem derramar
uma gota de rum). O mesmo bruxo que se aproveitou da senilidade daquele
goleiro, utilizando a água do santo para abençoar o primeiro gol do artilheiro
da competição. E no ritmo deste mago nós ensinamos futebol na nossa casa e na
casa dos adversários. Vencemos cinco jogos e perdemos um treino. A melhor
campanha foi nossa.
Honramos o nome de Minas no cenário esportivo mundial
Voltamos a bicar com força, com raça, honrando nosso estado,
nosso nome sendo repetido por vários idiomas diferentes. Nossos jogadores sendo
disputados no tapa por clubes estrangeiros. A seleção brasileira também não
resistiu e se encantou com o nosso zagueiro capitão, nosso bambino com alegria
nas pernas e nosso artilheiro miojo, que só precisava de três minutos para
matar a fome de gol dos torcedores. Até o Papa abençoou nosso manto sagrado,
proferindo a frase “In nomine Patris et fillii et Spiritus Sancti", que em
latim significa “Vai pra cima deles, Galo!”
Lutar, lutar, lutar pelos gramados do mundo pra vencer
Seja no Brasil, na Argentina, no Paraguai, na Bolívia ou no
México (país norte-americano situado no centro das Américas e filiado à
Confederação Sulamericana de Futebol). Pode ser até em gramado sintético. Pode
ser no nosso gramado ou no do vizinho. O importante é vencer. E passamos a
disputar as fases seguintes. Passado o treino, partimos para o próximo jogo de
verdade e bradamos: “Aqui é galo! É galo! É galo!”
Clube Atlético Mineiro. Uma vez até morrer
E quase morremos. Na fase seguinte nosso coração foi testado
quando apitaram um pênalti no último lance do jogo e o atacante adversário
decidiu canonizar nosso goleiro, que emendou uma canhota no azar e virou herói,
santo, mito. Radialistas perderam a voz. Invejosos perderam a piada. O torcedor
perdeu a vergonha de acreditar no inacreditável. Novamente o inimigo pisou no
Horto e caiu morto.
Nós somos campeões do gelo
Então por que não ser campeões da América? Com a mística
mortífera do nosso campo insistindo em se repetir durante tantas batalhas,
ousamos em confiar nela mais uma vez, e nos demos ao luxo de dar dois gols de
vantagem para os velhos garotos portenhos.
O nosso time é imortal
Mas naquele momento, iluminado pela penumbra daqueles
holofotes defeituosos, parecia o mais mortal dos mortais. Agonizava e morria em
meio às lágrimas de seus fiéis seguidores. E foi no acender das luzes que, tal
qual a fênix, ressurgiu das cinzas. Gol chorado no finalzinho, saindo dos pés
de um jogador criticado por muitos, mas que sonhava com a oportunidade de se
redimir. Nosso santo mais uma vez foi mais forte. E escolheu o canto certo
novamente. Estamos na final. Eu acreditei no sucesso.
Nós somos Campeões dos Campeões. Somos o orgulho do esporte
nacional
O país conta conosco, seu único representante. E embarcamos
para o estrangeiro, confiantes em construir um bom resultado que nos desse uma
vantagem tranquila para o jogo da volta. Doce ilusão. Vitória e tranquilidade
são duas palavras tão próximas no dicionário e tão distantes na história do
Galo... Mais uma vez demos dois gols de vantagem. O que fazer agora?
Lutar, Lutar, Lutar. Com toda nossa raça pra vencer
Exatamente. Não nos restava mais nada. Agora era ganhar ou
morrer tentando. Mesmo que no gramado do vizinho. Eu acredito. Mesmo que em
desvantagem de dois gols. O sofrimento parece nos fortalecer. O momento parece
propício. O problema é que o preço do ingresso é um absurdo e quinta-feira
acordo cedo pra trabalhar... Mas quer saber? Paguei pra ver. Literalmente. Mais
pobres em dinheiro e mais ricos em confiança, cercamos a lagoa. E a cada chopp a
vitória parecia mais certa. O pequeno fragmento de sabonete de sal grosso,
higienizador de chacras fredmelianos, seria suficiente para lavar a alma
amargurada do atleticano? Os versos de Drummond estariam presentes para nos
inspirar? Parecia que não, pelo menos até o início do segundo tempo. Nuvens de
tempestade se formaram no céu e olharam feio para uma camisa preta e branca
pendurada no varal. Porém, ao perceber milhares de atleticanos naquelas
arquibancadas, e outros milhões pelo Brasil e pelo mundo, o vento se acovardou
e foi soprar no varal alheio, onde a camisa também era preta e branca, mas com
torcida bem menos volumosa. E foi a rajada de vento que fez o adversário furar
e permitir o primeiro gol. E também foi ela que tirou o equilíbrio do atacante
que driblou todos, mas não driblou aquele tufo de grama solto. E o vento amigo
finalizou a contenda soprando uma bola que foi morrer de mansinho quase no pé
da trave, mas dentro do gol. E agora, com trinta minutos restando e um jogador
sobrando, eu acreditei que seria fácil para o time da virada. Sonhei com dois
gols na prorrogação e a torcida gritando “olé”, “está chegando a hora” e o tão
esperado “é campeão”, tudo isso antes do juiz apitar o final da partida. Mas,
como já disse antes, vitória e tranquilidade para o Galo? Ao mesmo tempo?
Jamais. Por mais que nós não acreditássemos, a pendenga foi para os pênaltis.
Eu não acredito! – pensei. Mais uma sessão de angina coletiva. Secadores
ligados em 220 volts. Nosso treinador já não tinha mais unhas para roer. E
ainda assim acreditamos. Nosso santo decidiu fazer o milagre na primeira
cobrança, só para variar um pouco. E nossos batedores acertaram um atrás do
outro, até que o outro time decidiu acabar de uma vez com todo aquele nosso
sofrimento. Bola no travessão. Conquistamos a América! E o palco ficou pequeno
para tanta festa. Bica, bicudo! E felizes, cantamos pela noite o hino que já
foi considerado o mais belo de todos os hinos do futebol...
“Clube Atlético Mineiro. Uma vez até morrer”
O chinelo da minhoca
Foto: internet
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