quinta-feira, 29 de novembro de 2012

O amor no antigo Egito



            O faraó Akhenaton finalmente voltara de sua longa expedição de quatro anos pela Ásia. O povo foi devidamente orientado a recebê-lo nos portões do palácio. Os gritos forçados de “vida longa ao faraó” quase eram ofuscados pelos gritos de dor de vários súditos que se recusavam a saldá-lo e eram açoitados pelos militares. E o faraó sorria e acenava, crente que estava abafando.
            - Eu sou o cara – pensou.
            A sua amada esposa o aguardava na entrada do palácio. Kiya era jovem, mas já apresentava todas as características de uma legítima esposa de faraós: beleza estonteante e exótica, fascínio por ouro e pedras preciosas, vestimentas fashion, e uma vontade tremenda de dar uma porrada no marido vagabundo e mulherengo. Nessa altura dos acontecimentos, já havia quebrado a golpes de espada pelo menos trinta bustos do marido que estavam espalhados pelos templos de Tebas (naquela época já existia a tensão pré-menstrual). Sabia que ele não tinha viajado por motivos políticos, e sim para aprontar poucas e boas. Ela provavelmente não estaria tão nervosa se tivesse aproveitado a ausência do maridão para também se jogar na vida e curtir umas baladinhas com os escravos. E ela bem que queria fazer isso. Porém, por motivos que ela desconhecia, nenhum homem ousou tocá-la durante os quatro longos anos que se passaram. Nem sob ameaças de morte e desmembramentos. Sentia-se feia e mal-amada, e estava pronta para descontar sua frustração no faraó.
Akhenaton finalmente alcançou a entrada do palácio. Abraçou e beijou sua querida esposa, que quase o fulminava com seus olhos repletos de ódio. De mãos dadas, agradeceram as boas vindas dos súditos e ordenaram que os militares dispersassem a multidão para que eles pudessem descansar. Enquanto o chicote lambia o couro da turminha, os dois se retiraram para seus aposentos.
- Querida. Estou muito contente em vê-la. Sentiu saudades? – perguntou o faraó delicadamente.
- Não me chame de querida! – gritou a jovem rainha. – Pode ir explicando que negócio foi esse de sair de fininho no escuro da noite e demorar quatro anos pra voltar! 
- Lembra daquele meu amigo, o Juninho? Pois é. Ele me chamou pra dar uma passadinha na casa dele pra mostrar a sua nova tumba. Aí bebemos um pouco além da conta e acabamos reunindo a turma pra um jogo de senat. E conversa vai, conversa vem...
- O Juninho que mora na China? – gritou a mulher, enfurecida e já pegando uma adaga que estava escondida em seu vestido.
- Calma. Eu sei que eu demorei um pouco pra voltar, mas tudo pode ser explicado – disse o faraó, sentindo-se acuado.
- Explica então. Quero só ouvir a desculpa esfarrapada que vai dar dessa vez. O pneu da biga furou? Parou pra assistir ao Rally Dakar? Um maluco abriu o mar Vermelho? – bradou a esposa. 
- Resolvemos ir pescar no mar Morto – disse o faraó.
- Mas não existem peixes vivos no mar Morto – retrucou a mulher.
- E só agora você me diz isso? – gritou Akhenaton. – Foram três longos anos de espera e nenhuma beliscada!
E os dois governantes ficaram discutindo por algumas horas. Depois, deitaram-se juntos, pois a rainha havia enfrentado quatro anos de inverno, sem água e sem trigo, tendo sofrido as agruras da fome e da falta de grãos (na verdade, estamos falando é de sexo, e não de comida, mas o Egito também tem as suas metáforas).
- Oh, querido. Você não imagina a solidão que eu senti nesses últimos anos – choramingou a rainha.
- Eu posso imaginar – disse o faraó, lembrando-se da noite em que espalhou o boato de que sobre a rainha pairava uma maldição terrível lançada pelo deus Aton, que acometeria qualquer homem que ousasse profanar as virtudes daquela linda mulher. “As pernas perderão as forças, a coluna se partirá em dores horrendas e os órgãos genitais serão atacados por uma coceira fulminante, seguida de corrimento uretral esverdeado”.
O faraó era o único representante do deus Aton na terra, e a sua palavra era a lei. Todos o temiam e obedeciam de imediato. Todos, menos o seu empentelhado filho, Tutankamon, que insistia em desenhar nas paredes do palácio. Era um garoto impertinente e arruaceiro. E além de tudo era chantagista. Certa vez encontrou alguns hieróglifos pornográficos no banheiro do pai e ameaçou contar tudo para a mãe se não fosse levado para passear no rio Eufrates. E a mãe sofria nas mãos daquele pequeno malandro, que a importunava horas a fio, pedindo que ela lhe contasse histórias de ninar.
- Conta a história da esfinge – pedia o garoto, insistentemente, todas as noites. – E depois conta uma história de terror, com múmias e crocodilos.
- Quantas vezes vou ter que contar as mesmas histórias? – pensava a mãe, desolada e morrendo de sono.
- Cadê os meus gatos? Quero dormir com eles.
- O deus Aton te proibiu de dormir com os gatos.
- Por que eles são sagrados?
- Não. Porque você tem rinite.
- Canta uma música pra mim? – choramingava o moleque, fazendo beicinho.
- Tudo bem. “Dorme neném, que Anubis vem pegar...”
A chatice do garoto era tão grande que os pais não viam a hora dele crescer, se casar e sair do palácio. E então se lembraram que no Egito os casamentos arranjados eram comuns e nenhuma lei impedia que crianças se casassem. Correram então para encontrar uma esposa para o pequeno Tuti, como era chamado o menino. Após a realização de um rápido reality show, finalmente encontraram uma noiva. Seu nome era Ankhsenpaaton. Era uma adolescente de 14 anos, olhos verdes, que gostava de esportes, moda e sonhava em ser atriz. Infelizmente, Tuti não gostou muito da ideia.
- Ela é feia! – gritava.
E a pobre garota, escondida atrás das pilastras do salão, ouvia tudo com lágrimas nos olhos. Mas ela havia sido treinada para amar e respeitar o seu marido, por mais que ele a fizesse sofrer.
- Ela é baixinha! – continuava o pequeno príncipe.
 Ankhsenpaaton teve aulas de etiqueta e de obediência. Sabia todos os segredos para agradar o futuro faraó. Por mais que se sentisse ofendida, sabia que tudo se resolveria entre eles. Era tudo uma questão de tempo.
- Ela é velha! – berrava a criança.
E a futura rainha, por mais nervosa que estivesse, ainda se lembrava da regra número um: “o faraó tem sempre razão”.
- Ela é gorda! – insistia Tuti.
E a jovem noiva decidiu que aquela tinha sido o fim da picada, e jurava aos pés de Aton que só descansaria quando o maldito moleque estivesse morto, enfaixado e enterrado no deserto escaldante.

Autoria: O chinelo da minhoca
Desenho: internet

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