quinta-feira, 31 de maio de 2012

NARRADOR NO BURACO


- Boa noite, amigos telespectadores. Aqui quem vos fala é o sempre incansável Jonas Barra, o seu amigo das madrugadas. Estaremos juntos nas próximas 3 horas, desfrutando de um dos mais importantes campeonatos de buraco da costa leste de Pernambuco. Se você já está cansado de assistir às reprises do canal de cinema e não aguenta mais ficar espiando aqueles idiotas que estão presos dentro daquela casa, aumente o som e fique conosco durante a transmissão de mais um clássico do carteado internacional. E antes do início, a palavra dos patrocinadores. É com você, Drummond.
- Esse torneio é patrocinado por Mineradoras Jacob, “quem mais entende de buraco”, Metrô de São Paulo, “o melhor transporte do buraco”, e Clínica de Proctologia do Morumbi, “sempre cuidando do seu buraco”.
- A criatividade não tem fim. E agora um minuto de silêncio em homenagem aos jogadores de buraco que morreram no final de semana.
- Acidente de carro?
- Buraco na pista.
- Muito triste.
- Que Deus os tenha. E o juiz chama o capitão de cada uma das duplas para decidir quem embaralha e quem vai separar o morto. Alguma previsão para hoje, Drummond?
- As duplas estão muito entrosadas. Acho que hoje teremos uma partida equilibrada e honesta. Espero que não tenhamos os mesmos contratempos que tivemos no ano passado, quando as péssimas condições da mesa prejudicaram o bom andamento da disputa e...
- E começa a contenda. Dodô compra do monte. Escondeu a carta, mas parecia de copas. Descarta um sete de ouros. Chico pega o sete, olha para ele, olha para o lado, para o sete novamente, larga o sete no lixo e compra do monte. Comprou um coringuinha! Que beleza! Que jogada de sorte. A torcida vibra. Vamos ouvir o grito nas arquibancadas.
- Ô Jonas, babaca! Ô Jonas, babaca!
- Que maravilha. Descartou um valete. Benício vai pegar. Pegou. E agora? E agora? O quê será que ele vai fazer? Olha lá. Pega também o sete do lixo e vai descartar o cinco de paus. Não! O oito de espadas? O cinco, o oito, o cinco, descaaaaartaaaaa o quatro de copas na última hora, pegando todo mundo despreparado. E o seu comentário, Drummond?
- Realmente esse tipo de emoção só é sentida em um jogo dinâmico como o buraco, que reúne todas as características de um esporte verdadeiramente instigante. É por essas e outras grandes jogadas que o International Kumite For Olimpic Imbecil Everybody Games está entrando com uma representação junto ao comitê olímpico internacional para que o buraco substitua o handebol nas próximas olimpíadas. Absolutamente desafiador e metódico. Podemos afirmar com toda certeza que este jogo molda os líderes do amanhã e lapida o caráter dos justos, trazendo a harmonia para tudo que...
- E Ricardo ignora o quatro e mete a mão no monte. Rapidamente descarta o três de ouros. Dodô pega o quatro, segue para Chico que pega o três e deixa um nove e segue para Benício que dá uma olhadinha para Dodô e dá uma piscadinha com o olho direito. Dodô devolve a piscadinha e solta um beijinho disfarçado. Benício balança a cabeça dando a entender que não era esse o sinal que ele queria passar e Dodô dá duas piscadas com o olho direito e uma com o olho esquerdo. Benício entendeu o recado e pegou o nove. Drummond, cadê você?
- A linguagem da piscadinha já é antiga no esporte e acabou com vários casamentos. Em 1929, na cidade de Chicago, Peter “olhos de mel” Jones arriscou dar uma piscadinha durante um campeonato regional. Seu parceiro era o notório gângster Al Capone, que pegou seu furador de gelo de prata e...

quinta-feira, 17 de maio de 2012

RELAÇÃO MÉDICO-PACIENTE?



Brasil. Ano de 2023. Nos últimos anos, a sociedade começou a se sentir ameaçada diante da abertura indiscriminada de centenas de faculdades de medicina, a multiplicação de cursinhos de picaretagem médica de final de semana e a popularização de empresas de medicina do trabalho que contratavam estudantes ao invés de médicos formados. Como resposta, a classe médica foi bombardeada por inúmeras denúncias e ações judiciais. Os processos eram tantos que acabaram motivando os advogados a prestar serviços especializados. Hoje em dia, nenhum paciente vai ao consultório médico sem o seu próprio advogado a tiracolo. E os médicos também começaram a se precaver, e contrataram advogados para orientá-los durante as consultas. Com isso, a relação médico-paciente se transformou em uma relação “advogado-médico-paciente-advogado”, e vários juízes foram convocados para colocar ordem no tribunal, ou melhor, na consulta.
- Todos de pé. Presidindo agora, o excelentíssimo Juiz Andrade Vilela.
- Todos assentados. Declaro aberta a consulta.
- Bom dia, Dona Maria.
- Protesto. A doutora está partindo do pressuposto que toda paciente do SUS se chama “Dona Maria”. Artigo 128, inciso 14, parágrafo 3: estigmatização da paciente.
- Protesto aceito. A paciente deverá se identificar. Qual é o seu nome, Dona Maria? Quero dizer, qual é o nome da senhora?
- É Dona Maria mesmo.
- E qual é o seu problema, Dona Maria?
- Protesto. A doutora está insinuando que a minha cliente é problemática.
- Protesto aceito. A doutora deverá reformular a pergunta.
A médica discute com sua advogada para encontrar a melhor maneira de abordar a paciente.
- A bondosa senhora poderia nos relatar, por obséquio, qual o motivo da sua presença mais do que bem vinda ao meu humilde e respeitado consultório, honesto e autorizado pela prefeitura e pela Vigilância Sanitária?