terça-feira, 29 de novembro de 2011

FILOSOFIA ALCOÓLICA DE UM PLAYBOY NOS TEMPOS DA LEI SECA


O carnaval se aproxima. Mais uma vez nos deparamos com árduo e tempestuoso fardo de nos curvar diante do colossal estado de embriaguez amnésica imposta pelos festivos dionísicos. É chegada a hora de nos unirmos e caminharmos ombro a ombro até o templo sagrado do lúpulo. Se este estiver muito longe, serve o barzinho da esquina mesmo. Nossos confidentes mais leais, os garçons, estarão lá a nossa espera. Com a ajuda deles, provaremos a todos que os limites não existem. As recomendações médicas não nos assustam. Nada será forte o suficiente para nos desestimular. Nossos estômagos tentarão nos dissuadir, aumentando brusca e espasticamente nosso peristaltismo, mas nossa insistência e falta de senso de auto-preservação findarão por derrotá-los. Nenhuma lesão aguda de mucosa gástrica, por mais hematêmica ou melênica que seja, irá nos persuadir a parar. Que venham as alucinações! Duendes e pessoas duplicadas não nos intimidarão. Não desta vez... Como vikings que brindam frenéticos seus cálices de um litro, venceremos qualquer resistência que o maldito sistema nervoso central possa criar. Korsakoff será nosso grito de guerra e Wernicke será nosso ideal. Vitaminas do complexo B e soluções glicosadas por meio de venóclise não serão necessárias, pois nada mais são que alimentos para os afeminados. Verdadeiros homens não sucumbem diante de míseras carências nutricionais. Após alguns barris do mais dourado e cremoso chopp, criaremos coragem descomunal e desencadearemos balbúrdias mil, sem nos importar com os seguranças do estabelecimento. Bradaremos conclames de baixo calão e assustaremos os cidadãos de paz que ali se encontrem. Importunaremos as mulheres, independente da presença ou não de beleza nas mesmas. Não nos importaremos com a qualidade, desde que o montante angariado seja de bom número. Seremos estapeados, denunciados, ameaçados e mesmo assim não nos comportaremos. Se nos expulsarem, sairemos, mas por vontade própria! Tremei diante de nós, pedestres incautos. Ninguém conseguirá nos impedir de alcançar nossas carruagens e guiá-las perigosa e irresponsavelmente pelas ruas da alegria alcoólica. Agentes nefastos da chamada "lei e ordem" não nos alcançarão. E se o fizerem, ainda assim demonstraremos de forma clara e concisa o nosso ponto de vista. Encheremos nossos pulmões com o mais sagrado ar da rebeldia e, como um tufão arrasador, bafejaremos naqueles ridículos instrumentos policiais. Andaremos em linha reta se necessário, mas não da maneira que nos é imposta. Exerceremos nosso direito de ir e vir de um lado para o outro, num ziguezástico louvor à liberdade. As punições não nos afligem. Podem tirar nossas habilitações, nosso patrimônio financeiro e até nossa liberdade, mas não poderão nos privar de nosso espírito indomável e arruaceiro. Nem mesmo a violação de nossa mais íntima inocência, na calada da noite, pelos bárbaros penitenciários, nos trará temor ou receio de continuar em nossa condição torporosa. Usufruiremos de nosso direito a um telefonema, mas não para advogados ou família, e sim para o distribuidor de bebidas mais próximo. Ele saberá o que fazer... Dormiremos profundamente como deuses sobre o leito da vitória e, por fim, acordaremos assustados e sem fazer a menor idéia de onde estamos e como chegamos ali. Esperaremos até que papai limpe a nossa barra e, usando óculos escuros e tapando o rosto com a camisa, fugiremos dos repórteres de plantão. A dor lancinante em nossas cabeças há de sobrevir nos dias vindouros próximos e, como que subjugados, proclamaremos promessas de abstinência futura, que serão rapidamente ignoradas na primeira oportunidade de celebrar nova cervejada mundana. 

Autoria: O Chinelo da Minhoca

Seguem abaixo dois episódios (retirados do youtube) que de certa forma ilustram o que foi dito acima. Concordar ou não com a filosofia deles? Vocês é que sabem. Não sou pai de ninguém...




segunda-feira, 21 de novembro de 2011

XERIFE JAKE E AS MEMÓRIAS QUE O OESTE ESQUECEU


O xerife Jake não tinha para onde ir. Os irmãos Flint já haviam se posicionado na entrada do beco entre o saloon e o armazém. Bill Cotton, escondido atrás de uma árvore, apontava sua Winchester para as costas do destemido homem da lei. Na janela do segundo andar do “Texas Hotel”, um jovem mestiço observava a movimentação. Ele não tinha nada a ver com o que estava acontecendo, mas queria se vingar. Sua mãe, que era 80% índia, queria que ele se chamasse “Águia Zanzante”, ou talvez “Búfalo Berrante”, mas seu pai, que era 50% branco, 50% piadista e 100% babaca, achou que “Vinho Frisante” ia ser bem mais engraçado. Pior para o pobre mestiço. Pior ainda para Jake. Frisante estava bêbado, frustrado e com raiva, e queria descontar em alguém. De preferência em alguém que já ia virar peneira mesmo... 
No meio da rua, olhando profundamente nos olhos de Jake, estava o pistoleiro McGregor. Todo o oeste já tinha ouvido falar dele. Seu passado escondia tiroteios terríveis, verdadeiras chacinas. Homens, mulheres, crianças e velhos já haviam sido vítimas daquele vilão brutal. Diziam que, com apenas 17 anos, ele entrou desarmado em um bordel para cobrar uma dívida de jogo. Lá dentro, matou 15 homens, 2 mulheres e uma barata. Na saída, deu um soco no flanelinha que tomava conta do seu cavalo, chutou a canela de uma velhinha cega, pisou num calango e mostrou a língua para uma garotinha. Realmente ele era um homem muito mau.

terça-feira, 15 de novembro de 2011

VOCÊ VAI SER MÉDICO

     O futuro médico nasceu. Quer tomar leitinho, nenê? Pode tomar, mas só um pouco. Não se acostume com muito. Você vai ser médico.
     Está aprendendo a andar. Ande com cuidado. Olhe bem onde pisa para não cometer erros. Você vai ser médico.
     Primeiro ano na escola. Prepare-se para ser vigiado, cobrado, avaliado e provavelmente repreendido se não corresponder às expectativas. Você vai ser médico.
     Já está crescidinho. Trate bem os pais, os professores, os coleguinhas, os animais. Aprenda a ter respeito por todos. E não espere recompensas por isso. Não está fazendo nada além de sua obrigação. Você vai ser médico.
    Adolescência. Tempos difíceis. Estude muito e se divirta pouco. Gaste sua juventude nas bibliotecas e cursinhos. O vestibular se aproxima. No final, talvez valha a pena. E nem pense em escolher outro curso. Nada de engenharia ou direito. Já decidimos. Você vai ser médico.
    Sucesso. Cabelo raspado, nome estampado nas páginas do jornal, internet, corredores. Agora é oficial. Você vai ser médico.
     Faculdade de medicina. Agora ninguém te segura. E quando eu digo ninguém, em se tratando de Brasil, quero dizer ninguém mesmo. Nem a polícia. Você só não vai receber seu diploma se fizer algo mais que esfaquear uma colega, sequestrar um ônibus, roubar a comissão de formatura ou se filiar a um grupo de degoladores. No Brasil é assim. Entrou, só sai morto ou médico. Preso, nunca (o que é um absurdo, mas na prática é mais ou menos isso que estamos vivendo). Mas não pense que essa regalia te dá o direito de relaxar e esquecer os seus compromissos. É o momento de estudar e se dedicar. Corpo e alma voltados para o cumprimento do dever hipocrático. Absorva todo o conhecimento, pois você precisará dele. Você vai ser médico. 

segunda-feira, 14 de novembro de 2011

QUANDO BRILHA O ENTARDECER


O médico passava por um momento de imensa tristeza e desilusão. Tudo parecia ter perdido o sentido. E aquele sentimento era partilhado por todos à sua volta. E foi naquele momento de extremo desânimo que o sol começou a se pôr no horizonte. Estranho como aquele fenômeno tão comum e repetitivo pudesse despertar tamanho interesse naquela tarde. Como que enfeitiçados, os transeuntes, um a um, fitaram o crepúsculo demoradamente. O trânsito foi diminuindo aos poucos o seu fluxo até parar por completo. Os motoristas apreciavam a despedida do astro amarelo. Em plena hora do rush e nenhuma buzina, nenhum palavrão, ninguém ofendendo a mãe de ninguém. As pessoas saiam dos seus carros e se alinhavam lado a lado, quase de mãos dadas, olhos fixos naquele espetáculo. O médico se sentiu hipnotizado e nem percebeu que havia interrompido as manobras de ressuscitação sem antes checar se o paciente havia recuperado o pulso. O paciente checou seus próprios sinais vitais e se posicionou ao lado do médico. Todos no hospital se dirigiram para as janelas. Por um instante, não se ouviram gemidos de dor ou prantos desconsolados. As cadeiras de roda e as muletas ficaram abandonadas. Profissionais da saúde se amontoavam na porta dos nosocômios. Do lado de fora, uma gangue de malfeitores pedia desculpas a uma velhinha e lhe devolvia a bolsa roubada, enquanto olhavam para a luz dourada que se espalhava ao longe. Os políticos corruptos tinham água nos olhos, e beijavam crianças sem notar que estavam fora do ano eleitoral. E suas promessas de aumentar o salário mínimo fluíram de forma tão sincera que comoveram todos ao redor. Alguns até chegaram a anunciar que começariam a lutar por algo mais que dinheiro e poder. A humanidade havia finalmente alcançado seu equilíbrio. E tudo graças ao mais inusitado fim de tarde de todos os tempos. Aos poucos, a cor dourada mergulhou nas sombras e só restou um céu com vários tons de azul em estilo degradeé. Não se sabia dizer ao certo se a harmonia ainda tomava conta do ar. O médico rompeu o silêncio com um convite para uma happy hour, que foi aceito por todos. Mais tarde ele descobriria, em meio a tumultos e reclamações, que sua carteira havia sido roubada, logo após o pôr do sol, pelo paciente que ele havia salvado.

Autoria: O Chinelo da Minhoca

sexta-feira, 4 de novembro de 2011

Feliz dia do inventor - uma homenagem do Chinelo

INVENTA OUTRA

            Era um dia ensolarado de primavera, quando teve início um encontro improvável entre vários nomes ilustres da nossa ciência.
- Bom dia, senhor Einstein. Como está se sentindo nesta linda manhã? – perguntou Isaac Newton.
- Não tão excitado quanto o átomo de Bohr, posso lhe garantir, senhor Newton – respondeu Albert Einstein.
- Acordou áspero, não é mesmo? Ninguém mandou ficar entretido com os teoremas de Euclides, se é que você me entende.
- “O homem só se curva diante dos obstáculos se existe um meio de passar por baixo deles”.
- Muito bem colocado. Mais açúcar no seu chá?
- Uma colher.
- Pena que madame Marie Curie não compareceu. Será que não ouviu sobre o nosso encontro?
- Talvez tenha tido problemas com o rádio – disse Einstein, sorrindo.
- Sagaz comentário. Não sabia que era afeiçoado aos trocadilhos – respondeu Newton, espantado. 
- Antes do desjejum eu costumo ser um tanto quanto eloquente. Depois me torno compulsivo e por fim vou dormir com meus devaneios.
- Seu estado de humor é bem relativo.
- Um homem regido por tantas leis não deveria se render ao sarcasmo.
- Touché, velho amigo.
Um terceiro cientista se aproximou dos dois físicos, tornando a discussão ainda mais inédita.
- Que imagem incomum. Duas raposas à mesa e não vejo sequer uma galinha – brincou o inventor Thomas Edison.
- Junte-se a nós, Edison. Estamos praticando a mais nobre arte do desdobramento linguístico prosaico coletivo – disse Einstein.
- Estão jogando conversa fora.
- Exatamente.
- Não puderam inventar nada melhor? – provocou o inventor.
- Já chegou afiado, não é? Cuidado rapaz. Na Arábia os gênios eram aprisionados em lâmpadas – lembrou Einstein.
- Dentro da minha pelo menos teria luz – respondeu Edison, dando uma piscadinha furtiva para Isaac Newton.
- Grande resposta! – vibrou Newton. – Deixou nosso companheiro sem fala. Oh, Deus! Como esperei para ver meu amigo Einstein com esta expressão de derrota no rosto. O que aconteceu, meu caro? O gato comeu sua língua? Ninguém mandou ficar mostrando ela para os outros.
- Há! Brilhante comentário, amigo Newton – continuou Edison.
- Não mais brilhante que sua lâmpada, meu caro.
- Pare. Você está impossível hoje. Não está, prezado Einstein?
- Impossível é suportar tamanha rasgação de seda – resmungou o físico, com cara de emburrado. 
- Ficou bravinho. Não devíamos fazer chacota com nosso amigo. Ele poderia nos jogar uma bomba – provocou Newton.