quinta-feira, 12 de abril de 2012

PÂNICO NO 747


A aula de patologia era entediante. O professor mostrava intermináveis slides sobre células tumorais no fígado. Na verdade, eu não estava olhando para as fotos, e sim para a lista de chamada que passava vagarosamente de mão em mão. Eu ansiava pelo momento mágico em que finalmente assinaria aquele papel. E então, liberdade! Não precisaria ficar naquele inferno, pois meu compromisso para com a universidade estaria saldado. Meu nome era a prova cabal de que estive presente. Estaria livre para desfrutar de uma partidinha de truco com os amigos. Simples e direto. Talvez a vida se resumisse em uma grande sala de aula, onde todos aguardam pela lista de chamada do sucesso. Isso mesmo. Quem coloca o nome nela resolve todos os seus problemas. E alguns chegam a tê-la em suas mãos, mas não podem assinar por falta de caneta. Perdem a oportunidade. Outros conseguem uma emprestada, mas então precisam assinar o nome dessa outra pessoa e compartilhar a conquista. Felizardo é o que pode assinar com sua própria caneta...
- Estamos agora sobrevoando o Atlântico.
Era a aeromoça do 747 que, com sua voz melodiosa, me libertava dos braços de Morfeu e acabava com meu sonho nostálgico e reflexivo.
- Se olharem pela janela, poderão apreciar esse lindo oceano.
Decidi dar uma olhadinha. Abri os olhos e virei o rosto para a esquerda, mas para meu espanto, tudo que consegui ver foi uma grande escuridão. Fiquei cego!!! Estava prestes a entrar em pânico, mas felizmente percebi o motivo da minha deficiência visual. Ainda estava usando aqueles ridículos óculos para dormir, que a companhia aérea coloca na segunda classe para que todos durmam rápido e esqueçam de reclamar da comida. Retirei-os e finalmente observei a paisagem. Bonita, mas nada especial para quem está acostumado a viajar para a Europa. O mesmo bom e velho oceano, o céu azul que parecia se misturar às águas, as nuvens brancas de formas e tamanhos variados, os pássaros, a fumaça acinzentada saindo da asa, o piloto descendo suavemente de pára-quedas, o co-piloto caindo rapidamente sem o pára-quedas...