segunda-feira, 14 de novembro de 2011

QUANDO BRILHA O ENTARDECER


O médico passava por um momento de imensa tristeza e desilusão. Tudo parecia ter perdido o sentido. E aquele sentimento era partilhado por todos à sua volta. E foi naquele momento de extremo desânimo que o sol começou a se pôr no horizonte. Estranho como aquele fenômeno tão comum e repetitivo pudesse despertar tamanho interesse naquela tarde. Como que enfeitiçados, os transeuntes, um a um, fitaram o crepúsculo demoradamente. O trânsito foi diminuindo aos poucos o seu fluxo até parar por completo. Os motoristas apreciavam a despedida do astro amarelo. Em plena hora do rush e nenhuma buzina, nenhum palavrão, ninguém ofendendo a mãe de ninguém. As pessoas saiam dos seus carros e se alinhavam lado a lado, quase de mãos dadas, olhos fixos naquele espetáculo. O médico se sentiu hipnotizado e nem percebeu que havia interrompido as manobras de ressuscitação sem antes checar se o paciente havia recuperado o pulso. O paciente checou seus próprios sinais vitais e se posicionou ao lado do médico. Todos no hospital se dirigiram para as janelas. Por um instante, não se ouviram gemidos de dor ou prantos desconsolados. As cadeiras de roda e as muletas ficaram abandonadas. Profissionais da saúde se amontoavam na porta dos nosocômios. Do lado de fora, uma gangue de malfeitores pedia desculpas a uma velhinha e lhe devolvia a bolsa roubada, enquanto olhavam para a luz dourada que se espalhava ao longe. Os políticos corruptos tinham água nos olhos, e beijavam crianças sem notar que estavam fora do ano eleitoral. E suas promessas de aumentar o salário mínimo fluíram de forma tão sincera que comoveram todos ao redor. Alguns até chegaram a anunciar que começariam a lutar por algo mais que dinheiro e poder. A humanidade havia finalmente alcançado seu equilíbrio. E tudo graças ao mais inusitado fim de tarde de todos os tempos. Aos poucos, a cor dourada mergulhou nas sombras e só restou um céu com vários tons de azul em estilo degradeé. Não se sabia dizer ao certo se a harmonia ainda tomava conta do ar. O médico rompeu o silêncio com um convite para uma happy hour, que foi aceito por todos. Mais tarde ele descobriria, em meio a tumultos e reclamações, que sua carteira havia sido roubada, logo após o pôr do sol, pelo paciente que ele havia salvado.

Autoria: O Chinelo da Minhoca

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