segunda-feira, 21 de novembro de 2011

XERIFE JAKE E AS MEMÓRIAS QUE O OESTE ESQUECEU


O xerife Jake não tinha para onde ir. Os irmãos Flint já haviam se posicionado na entrada do beco entre o saloon e o armazém. Bill Cotton, escondido atrás de uma árvore, apontava sua Winchester para as costas do destemido homem da lei. Na janela do segundo andar do “Texas Hotel”, um jovem mestiço observava a movimentação. Ele não tinha nada a ver com o que estava acontecendo, mas queria se vingar. Sua mãe, que era 80% índia, queria que ele se chamasse “Águia Zanzante”, ou talvez “Búfalo Berrante”, mas seu pai, que era 50% branco, 50% piadista e 100% babaca, achou que “Vinho Frisante” ia ser bem mais engraçado. Pior para o pobre mestiço. Pior ainda para Jake. Frisante estava bêbado, frustrado e com raiva, e queria descontar em alguém. De preferência em alguém que já ia virar peneira mesmo... 
No meio da rua, olhando profundamente nos olhos de Jake, estava o pistoleiro McGregor. Todo o oeste já tinha ouvido falar dele. Seu passado escondia tiroteios terríveis, verdadeiras chacinas. Homens, mulheres, crianças e velhos já haviam sido vítimas daquele vilão brutal. Diziam que, com apenas 17 anos, ele entrou desarmado em um bordel para cobrar uma dívida de jogo. Lá dentro, matou 15 homens, 2 mulheres e uma barata. Na saída, deu um soco no flanelinha que tomava conta do seu cavalo, chutou a canela de uma velhinha cega, pisou num calango e mostrou a língua para uma garotinha. Realmente ele era um homem muito mau.

- Você está prestes a se tornar mais um número na minha estatística, xerife.
- Você faz a contagem do número de pessoas que já matou?
- Claro que sim. Quero alcançar a marca dos 1000 mortos em tiroteios antes de me aposentar. Você será o número 992.
- Não seriam 946, chefe?
- Cale essa boca, Cotton! Estou incluindo os que matei quando ainda era pistoleiro juvenil.
- Mesmo assim, acho que a conta não está certa.
- Estou contando aquela barata também.
- Mas barata não é pessoa, chefe. Barata é um bicho.
- “Mortos”, Cotton! Quem falou em “pessoas mortas”? Se a barata morreu, então é mais um morto!
- Tudo bem. O senhor é quem manda...
A veia da testa de McGregor começou a ficar protuberante, prenunciando seu saque.
- Jake! – gritou Suzie, da janela do Bordel, assustando alguns pombos.
McGregor sacou sua Colt. O xerife Jake também sacou sua arma. A primeira saraivada de tiros não acertou absolutamente ninguém que estava diretamente interessado nele, mas o mesmo não pode ser dito sobre os curiosos e transeuntes que por ali passavam. Cotton atingiu um touro, duas corujas e 3 cavalos, sendo que um dos últimos era o dele. Vinho Frisante fez vários buracos na parede do saloon, matando instantaneamente uma família inteira de ratos. Jake correu através da rua, escorregou nos excrementos de uma vaca, pulou sobre um barril de água, deixou seu chapéu cair, pegou o chapéu, desviou de uma flecha (ninguém ficou sabendo quem atirou a maldita flecha), subiu no muro do quintal do prefeito, tropeçou em uma lebre...
- Jake! – gritou Suzie, da sacada do Texas Hotel, assustando alguns pombos e Vinho Frisante, que acabou caindo da janela, se estatelando no chão lamacento da rua principal.
...passou por baixo de uma escada, pisou na barriga de Vinho Frisante, lesando seriamente o pâncreas do mestiço, se esgueirou por trás de um dos irmãos Flint e se escondeu na loja do ferreiro.
- Saia daí, xerife! Prometo que o seu fim será rápido! – gritou McGregor.
- Não nos obrigue a incendiar a loja do ferreiro! – gritou Cotton.
- Você ouviu o homem! Não os obrigue a incendiar a loja do ferreiro! – gritou o ferreiro.
- Jake! – gritou Suzie, da varanda do saloon, assustando os irmãos Flint, alguns pombos e o cachorro do prefeito.
A situação não era nada boa. Jake só tinha 2 balas, e uma era de caramelo. Pensou seriamente em dar uma de Butch Cassidy e sair desembestado pela porta, dando tiros para todos os lados. Porém, se lembrou que com apenas uma bala seria difícil dar mais de um tiro.
- Talvez se... Não! Eu precisaria de pelo menos mais duas balas e uma abóbora para que isso desse certo. – pensou Jake.
- Vou contar até cinco e colocarei fogo na loja, Jake! – esbravejou McGregor, segurando uma tocha.
- Não sabia que brincava com fogo, McGregor!
- Aprendi a gostar de fogo desde que minha sogra morreu queimada!
- Você a queimou? Então ela não entrou pra sua estatística?
- Dei um tiro nela depois. Teoricamente ela ainda é o número 467.
- Jake! – gritou Suzie, a apenas 2 centímetros de distância do ouvido direito do xerife, assustando o pobre coitado, alguns pombos e um gato.
- O quê foi? Fica gritando por aí igual uma doida!
- Lembra quando me pediu para procurar a cavalaria?
- Claro. Isso foi há três dias.
- E você disse para te avisar se eu a encontrasse.
- Graças a Deus! Onde ela está?
- Não a encontrei.
- Então me dá licença que eu vou ali tomar uns tirinhos e já volto.
- Mas encontrei o exército da união. Eles estão convocando todos que podem carregar uma arma para lutar na guerra civil. Nesse exato momento eles estão lá fora recrutando todos que estão cercando a loja.
Jake correu para fora da loja. Os soldados já haviam dominado todo o grupo de McGregor, que esperneava enquanto era levado para as carroças da corporação.
- Você vai me pagar, Jake! Isso não vai ficar assim!
- Veja pelo lado bom, MacGregor. Você poderá passar dos 1000 mortos bem mais rápido se participar de uma guerra. Dizem que é um baita tiroteio.
- Nesse caso, eu te agradeço. Realmente é uma boa idéia. Mas ainda assim você vai me pagar.
- Mas afinal, o que foi que eu fiz que te deixou com tanta vontade de me matar?
- Eu descobri ouro na antiga mina abandonada e usei mercúrio no leito do rio que passa na minha propriedade. Meu médico me disse que estou com intoxicação por mercúrio, que parece estar me causando amnésia.
- E o que foi que eu fiz, então?
- Não me lembro, caramba! Já falei que estou com amnésia! Mas o que importa é que todo xerife sempre arranja briga com o bandido local, não é mesmo? Aposto que você fez alguma coisa que me deixou bastante irritado. E isso não vai ficar assim...
E não ficou mesmo. Após quatro anos batalhando, McGregor retornou e procurou Jake, que havia se tornado o homem mais rico da cidade, após explorar a antiga mina abandonada. O problema é que McGregor teve mais um lapso de memória no momento em que ia atirar covardemente no xerife. Ficou um pouco confuso e acabou pedindo emprego para aquele homem que ele jurava nunca ter visto mais gordo. Hoje, McGregor trabalha na mina de Jake, no setor de manipulação de mercúrio. Não se lembra bem como chegou ali, apenas sabe que sofre de amnésia e de outras três doenças crônicas que não lembra o nome, mas que são totalmente tratáveis, desde que ele se lembre de tomar aqueles quatro medicamentos que, apesar de ter esquecido quais são, anotou o nome deles em um papel que deve estar em algum lugar...

Autoria: O Chinelo da Minhoca

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