Após várias semanas de cavalgada, o herói finalmente encontrou o isolado
reino de Fenícia. Era um reino muito distante e pouco conhecido. As histórias
diziam que muitos heróis desapareceram ao buscar aventuras naquela região.
Foram e nunca voltaram. O mistério do sumiço dos heróis servia apenas para
atrair mais heróis, curiosos e sedentos por batalhas e atos de bravura.
- Bom dia, cavaleiro – disse um
homem de armadura que guardava o portão de entrada do reino.
- Dia – respondeu o herói.
- Quer
entrar no reino? – perguntou o guarda.
-
Quero – respondeu novamente o herói.
- Então aguarde um instante – disse
o homem, dando as costas para o cavaleiro e entrando em um pequeno quarto ao
lado do portão.
O cavaleiro ficou aguardando o
retorno do homem. O guarda voltou carregando uma prancheta e alguns papéis.
- Deixe-me ver – falou o homem. –
Qual o seu nome?
- Sir Roderick, “o Bravo” – respondeu o cavaleiro.
O homem fez algumas anotações na
prancheta.
- Planeja ficar muito tempo no
reino? – continuou o guarda.
- Não sei dizer ao certo – disse o
herói. – O tempo que for preciso para esclarecer alguns fatos.
- Qual o motivo principal da sua viagem. Turismo ou trabalho?
- Pode colocar trabalho – disse o cavaleiro, já um pouco impaciente. –
Essas perguntas são mesmo necessárias? Estou com um pouco de pressa.
- Está trazendo algum animal
silvestre ou planta? – persistiu o guarda, ignorando a pergunta do cavaleiro.
- Estou trazendo apenas o meu
cavalo, minha espada e minha vontade de partir ao meio uma pessoa que está
começando a me irritar! – esbravejou o herói.
- O senhor está me ameaçando? –
questionou o guarda.
- Talvez. Por quê? Algum problema?
Vai encarar? – provocou o herói, já colocando a mão sobre a bainha da espada.
- O senhor acaba de ganhar dez
pontos – disse o homem, entregando uma moeda de ouro para o cavaleiro. – Pode
entrar no reino agora.
O herói não entendeu nada, mas nem
quis perguntar. Estava cansado de tanta conversa e ansioso para entrar no
reino. Enquanto aguardava a abertura dos portões, deu uma mordida na moeda para
confirmar o seu valor. Os portões foram abertos e o cavaleiro finalmente
entrou. Andou pouco mais que cinco metros e foi abordado por um grupo de
soldados fortemente armados com arcos, flechas, espadas e tacapes de aço.
- Quantos pontos o senhor ganhou? –
perguntou o líder do grupo.
- Dez – respondeu o herói, mostrando
a moeda de ouro que agora estava com pequenas marcas produzidas pela dentada.
- Prendam-no – o líder ordenou aos
seus subordinados.
O cavaleiro saltou do seu cavalo,
desembainhou a espada e lutou ferozmente contra os soldados. Mas eles eram
muitos. O herói foi rendido, amarrado e levado até o xerife.
- Quem é este homem? – perguntou o
xerife.
- É um cavaleiro que acabou de
chegar, senhor – respondeu o líder dos soldados.
- Ele ganhou quantos pontos no portão? – perguntou o xerife.
- Dez pontos.
- Mordeu a moeda?
- Com força.
- E ele resistiu à prisão? –
continuou o xerife.
- Sim.
O xerife se aproximou do destemido
cavaleiro e o examinou com os olhos por alguns instantes.
- Deixe-me esclarecer algumas coisas
para o senhor – começou a dizer o xerife. – O reino de Fenícia é um lugar muito
próspero. Todas as pessoas daqui são felizes, honestas e ricas. E toda esta
harmonia só é possível porque nós fiscalizamos com muito rigor as pessoas que
visitam o nosso reino. Assim, impedimos a entrada de certos elementos
indesejáveis.
- Isso é uma afronta! – exclamou o valente cavaleiro. – Estão duvidando
da minha integridade?
- Ainda estamos investigando. Mas até agora as coisas não estão nada boas
para o senhor. Deixe-me revisar os fatos. Nosso porteiro é encarregado de fazer
uma série de oitenta perguntas a todos os visitantes. A resposta das perguntas
não importa. Apenas queremos saber se o visitante possui a virtude da
paciência, qualidade muito apreciada em nosso reino. Quando alguém não tem
paciência para responder a todas as perguntas, o porteiro entrega uma moeda de
ouro ao visitante e lhe atribui uma pontuação de zero a dez, na escala de
impaciência. Se receber nota dez, o visitante deverá ser guiado pelos guardas
até o nosso centro de visitantes, onde será submetido a um questionário ainda
maior. Isso lhe ensinará a ter mais paciência no futuro.
- Mas ninguém me guiou para lugar algum – defendeu-se o herói. – Seus
guardas me atacaram sem motivo.
- Ainda não terminei a minha explanação – continuou o xerife. – Aqui em
Fenícia nós admiramos as pessoas que não são gananciosas ou desconfiadas. E o
senhor aceitou uma moeda de ouro sem ao menos questionar o motivo de ter
recebido tão valioso presente. Isso demonstra que é uma pessoa gananciosa. E
ainda mordeu a moeda para ver se era de ouro puro mesmo. Ou seja, também
demonstrou ser uma pessoa desconfiada. Nossos guardas são orientados a prender
de imediato as pessoas que são impacientes, gananciosas e desconfiadas. E os
nossos presos são imediatamente matriculados nas melhores escolas de
reabilitação, onde participarão de várias palestras e serão instruídos e
orientados pelos melhores professores do reino.
- Ridículo! – protestou sir
Roderick. – Suas conclusões sobre a personalidade das pessoas são muito
superficiais e precipitadas. E eu me recuso a voltar para a escola.
- Mas o senhor não irá para a escola. Aqui em Fenícia nós repudiamos as
ações violentas. E o senhor reagiu à prisão com violência.
- Apenas me defendi. Qual é o problema?
- Nossos cientistas acreditam que as pessoas impacientes, gananciosas,
desconfiadas e violentas são as mais perigosas para o nosso reino, pois podem
ser ladrões. E todos os ladrões devem ser trancafiados na masmorra.
- Não sou ladrão! – berrou o cavaleiro. – Sou um herói!
- Oh! – exclamaram os soldados.
- Nesse caso, só resta uma coisa a fazer...
O cavaleiro não sabia, mas no reino
de Fenícia a palavra herói significava assassino. E os assassinos não poderiam
ser trancafiados nas masmorras. O pobre cavaleiro foi atirado no fosso das
feras, onde jaziam os restos mortais de todos os outros heróis. Vários soldados
ficaram de prontidão ao lado do fosso, para a eventualidade do herói matar as
feras e escapar. Em Fenícia, os homens que matam feras são mais perigosos que
os assassinos, e devem ser queimados na fogueira.
Autoria = O chinelo da minhoca
Foto = cena do filme "Monty Python and the Holy Grail"
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