segunda-feira, 4 de março de 2013

O HERÓI E O REINO DE FENÍCIA



Após várias semanas de cavalgada, o herói finalmente encontrou o isolado reino de Fenícia. Era um reino muito distante e pouco conhecido. As histórias diziam que muitos heróis desapareceram ao buscar aventuras naquela região. Foram e nunca voltaram. O mistério do sumiço dos heróis servia apenas para atrair mais heróis, curiosos e sedentos por batalhas e atos de bravura.
            - Bom dia, cavaleiro – disse um homem de armadura que guardava o portão de entrada do reino.
            - Dia – respondeu o herói.
            - Quer entrar no reino? – perguntou o guarda.
            - Quero – respondeu novamente o herói.
            - Então aguarde um instante – disse o homem, dando as costas para o cavaleiro e entrando em um pequeno quarto ao lado do portão.
            O cavaleiro ficou aguardando o retorno do homem. O guarda voltou carregando uma prancheta e alguns papéis.
            - Deixe-me ver – falou o homem. – Qual o seu nome?
            - Sir Roderick, “o Bravo” – respondeu o cavaleiro.
            O homem fez algumas anotações na prancheta.
            - Planeja ficar muito tempo no reino? – continuou o guarda.
            - Não sei dizer ao certo – disse o herói. – O tempo que for preciso para esclarecer alguns fatos.
- Qual o motivo principal da sua viagem. Turismo ou trabalho?
- Pode colocar trabalho – disse o cavaleiro, já um pouco impaciente. – Essas perguntas são mesmo necessárias? Estou com um pouco de pressa.
            - Está trazendo algum animal silvestre ou planta? – persistiu o guarda, ignorando a pergunta do cavaleiro.
            - Estou trazendo apenas o meu cavalo, minha espada e minha vontade de partir ao meio uma pessoa que está começando a me irritar! – esbravejou o herói.
            - O senhor está me ameaçando? – questionou o guarda.
            - Talvez. Por quê? Algum problema? Vai encarar? – provocou o herói, já colocando a mão sobre a bainha da espada.
            - O senhor acaba de ganhar dez pontos – disse o homem, entregando uma moeda de ouro para o cavaleiro. – Pode entrar no reino agora.
            O herói não entendeu nada, mas nem quis perguntar. Estava cansado de tanta conversa e ansioso para entrar no reino. Enquanto aguardava a abertura dos portões, deu uma mordida na moeda para confirmar o seu valor. Os portões foram abertos e o cavaleiro finalmente entrou. Andou pouco mais que cinco metros e foi abordado por um grupo de soldados fortemente armados com arcos, flechas, espadas e tacapes de aço.
            - Quantos pontos o senhor ganhou? – perguntou o líder do grupo.
            - Dez – respondeu o herói, mostrando a moeda de ouro que agora estava com pequenas marcas produzidas pela dentada.
            - Prendam-no – o líder ordenou aos seus subordinados.
            O cavaleiro saltou do seu cavalo, desembainhou a espada e lutou ferozmente contra os soldados. Mas eles eram muitos. O herói foi rendido, amarrado e levado até o xerife.
            - Quem é este homem? – perguntou o xerife.
            - É um cavaleiro que acabou de chegar, senhor – respondeu o líder dos soldados.
- Ele ganhou quantos pontos no portão? – perguntou o xerife.
            - Dez pontos. 
            - Mordeu a moeda?
            - Com força.
            - E ele resistiu à prisão? – continuou o xerife.
            - Sim.
            O xerife se aproximou do destemido cavaleiro e o examinou com os olhos por alguns instantes.
            - Deixe-me esclarecer algumas coisas para o senhor – começou a dizer o xerife. – O reino de Fenícia é um lugar muito próspero. Todas as pessoas daqui são felizes, honestas e ricas. E toda esta harmonia só é possível porque nós fiscalizamos com muito rigor as pessoas que visitam o nosso reino. Assim, impedimos a entrada de certos elementos indesejáveis.
- Isso é uma afronta! – exclamou o valente cavaleiro. – Estão duvidando da minha integridade?
- Ainda estamos investigando. Mas até agora as coisas não estão nada boas para o senhor. Deixe-me revisar os fatos. Nosso porteiro é encarregado de fazer uma série de oitenta perguntas a todos os visitantes. A resposta das perguntas não importa. Apenas queremos saber se o visitante possui a virtude da paciência, qualidade muito apreciada em nosso reino. Quando alguém não tem paciência para responder a todas as perguntas, o porteiro entrega uma moeda de ouro ao visitante e lhe atribui uma pontuação de zero a dez, na escala de impaciência. Se receber nota dez, o visitante deverá ser guiado pelos guardas até o nosso centro de visitantes, onde será submetido a um questionário ainda maior. Isso lhe ensinará a ter mais paciência no futuro.
- Mas ninguém me guiou para lugar algum – defendeu-se o herói. – Seus guardas me atacaram sem motivo.
- Ainda não terminei a minha explanação – continuou o xerife. – Aqui em Fenícia nós admiramos as pessoas que não são gananciosas ou desconfiadas. E o senhor aceitou uma moeda de ouro sem ao menos questionar o motivo de ter recebido tão valioso presente. Isso demonstra que é uma pessoa gananciosa. E ainda mordeu a moeda para ver se era de ouro puro mesmo. Ou seja, também demonstrou ser uma pessoa desconfiada. Nossos guardas são orientados a prender de imediato as pessoas que são impacientes, gananciosas e desconfiadas. E os nossos presos são imediatamente matriculados nas melhores escolas de reabilitação, onde participarão de várias palestras e serão instruídos e orientados pelos melhores professores do reino.
- Ridículo! – protestou sir Roderick. – Suas conclusões sobre a personalidade das pessoas são muito superficiais e precipitadas. E eu me recuso a voltar para a escola.
- Mas o senhor não irá para a escola. Aqui em Fenícia nós repudiamos as ações violentas. E o senhor reagiu à prisão com violência.
- Apenas me defendi. Qual é o problema?
- Nossos cientistas acreditam que as pessoas impacientes, gananciosas, desconfiadas e violentas são as mais perigosas para o nosso reino, pois podem ser ladrões. E todos os ladrões devem ser trancafiados na masmorra. 
- Não sou ladrão! – berrou o cavaleiro. – Sou um herói!
- Oh! – exclamaram os soldados.
- Nesse caso, só resta uma coisa a fazer...
            O cavaleiro não sabia, mas no reino de Fenícia a palavra herói significava assassino. E os assassinos não poderiam ser trancafiados nas masmorras. O pobre cavaleiro foi atirado no fosso das feras, onde jaziam os restos mortais de todos os outros heróis. Vários soldados ficaram de prontidão ao lado do fosso, para a eventualidade do herói matar as feras e escapar. Em Fenícia, os homens que matam feras são mais perigosos que os assassinos, e devem ser queimados na fogueira.  

Autoria = O chinelo da minhoca
Foto = cena do filme "Monty Python and the Holy Grail"

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