domingo, 12 de fevereiro de 2012

NOVELA DA VIDA REAL


Sandrinha armou a mão, pegou impulso e desferiu um violento tapa contra o rosto de Elisângela.
Elisângela rodopiou no mesmo lugar, soltou um gritinho discreto e devolveu o tapa na mesma intensidade, mesma direção e em sentido oposto, seguindo à risca a terceira lei de Newton.
O tapa devolvido não atingiu Sandrinha em cheio. Pegou meio mascado, fazendo mais “tum” do que “paf”, o que para alguns especialistas seria definido não como um tapa, mas como um pescoção. Sandrinha ficou possessa, pois nunca na vida tinha levado pescoção, ou pescocinho, ou pescotapa, ou qualquer variedade de ato violento com nome de goela.
Engraçado como os homens não costumam separar briga de mulher. Alguns até chegam a fazer um cordão humano para delimitar melhor a área do combate, de forma que as combatentes não saiam e os separadores de briga não entrem.
A única pessoa que queria separar as duas era Fábio, o noivo de Sandrinha. Aliás, ele era o motivo da discórdia, pois deveria estar na igreja naquele momento para se casar com Sandrinha. Não apareceu porque tinha fugido com Elisângela.
Mas pobre quando foge é dureza... Tem que passar na casa de todo mundo que conhece pra falar que vai fugir, pegar umas marmitas pra levar de matula na fuga, tem que chorar e falar que vai morrer de saudades e um monte de formalidades menos importantes. O casamento havia sido sabotado há pouco mais de duas horas e eles ainda nem tinham saído da vizinhança de Elisângela.
E o pior aconteceu (e sempre acontece): Sandrinha recebeu uma ligação anônima de uma amiga de Elisângela (que morria de ódio de ver a amiga feliz) e, tendo em mãos o endereço exato da localização dos foragidos, partiu pra fazer justiça. Mas na hora de sentar a mão no cafajeste do Fábio, destinatário do tapa em questão, ele se abaixou, deixando Elisângela na reta. A polícia poderia até colocar Elisângela na lista das vítimas de tapa-perdido, mas a verdade é que Sandrinha deu até um impulso a mais quando viu que ia acertar a sirigaita ao invés do cafajeste. 
A confusão estava armada. De um lado, Elisângela, oitenta quilos, marmiteira, mãe solteira de dois, idealista. Do outro, Sandrinha, setenta e cinco quilos, ainda vestida de noiva, operadora de caixa registradora em rede de mercearias do bairro de Lourdes, desbocada. O pandemônio estava só começando. E o público queria ver sangue, igual na novela das oito, quando a mocinha arrebenta a vilã e a deixa toda ensanguentada no chão.
- Acaba com a vagabunda! – gritava freneticamente uma das espectadoras do confronto.
- Puxa o cabelo dela! Puxa o cabelo dela! – urrava a cabeleireira do salão de beleza local, interessada em adquirir algumas mechas para fazer um aplique.
- Dá uma cabeçada no peito! – berrava um ex-jogador de futebol francês, enquanto tomava uma caipirinha.
- Morde a orelha! – bradava um ex-lutador de boxe, enquanto abraçava algumas mulatas e arriscava alguns passos descoordenados de samba.
Sandrinha levou o pescoção relatado anteriormente e respondeu com um gancho cruzado de direita, desses que começam na altura do estômago e sobem violentamente até acertar o queixo, mandando o indivíduo para o hospital ou para o IML, se aplicado corretamente. O soco acabou sendo amortecido pelos seios de Elisângela, mas doeu de qualquer jeito.
Elisângela resolveu partir pra ignorância e mandou um chute de capoeira na noiva, desses que acertam mais poeira do que chute. Foi o suficiente para deixar uma marca vermelha de sandália havaiana no vestido branco da noiva.
Alguns meses antes do casamento, Sandrinha pediu um empréstimo no banco pra poder alugar aquele lindo vestido de noiva que a madrinha viu na vitrine da Galeria do Ouvidor. Infelizmente, o banco não quis emprestar porque ela tinha ficha suja na praça. Então ela decidiu pegar um vestido antigo de uma tia de segundo grau. Como o vestido era marrom, a noiva teve que deixar ele de molho na água sanitária por algumas semanas e depois lavou com bastante alvejante e deu uma esfregada com pasta de dente e graxa branca de sapato. Gastou todas as economias naquele vestido. Dedicou várias horas do seu dia. Deu trabalho, mas ficou branquinho de dar gosto.
Quando percebeu que tinha uma sola de sandália desenhada no seu vestido branquinho, Sandrinha virou o capeta. A mulher descambou a distribuir bordoada em tudo e em todos, numa mistura de kung-fu, karatê, balé e o diabo a quatro. Fábio levou uma karateca tão forte na testa e uma kung-fusada tão terrorista na virilha que precisou ser retirado do local pela ambulância dos bombeiros. Elisângela foi atingida por um golpe de balé tão agressivo que foi parar no outro quarteirão.
E já foi caindo e levantando de imediato, armando o punho pra descontar a agressão sofrida. Veio correndo lá do outro quarteirão, levantando poeira, espalhando o medo, os olhos vermelhos de raiva. Girou o braço e sapecou um catiripapo tão peçonhento em Sandrinha que a noiva quase aterrissou em Guarapari (que por coincidência era o destino da sua lua de mel).
Enquanto Sandrinha não voltava para terminar a briga, os familiares da noiva aproveitaram para tirar satisfação com os familiares do noivo, o que provocou pelo menos mais trinta e duas briguinhas secundárias, de menor importância.
Elisângela recebeu uma ligação de um amigo, avisando que a noiva havia sido avistada a poucas quadras dali, e que a mesma se aproximava rapidamente. Jogou um pouco de água no rosto para refrescar as idéias e resolveu se preparar para o segundo tempo da luta, seguindo os ensinamentos de um filme de karatê que seu filho puxou da internet.
Sandrinha mal surgiu no final da rua e já preparava uma terrível voadora, dessas que quando pegam arrancam pedaço. Elisângela estava distraída pintando uma cerca e encerando carros antigos, exercícios fundamentais do karatê, de acordo com o mestre japonês do filme.
A noiva voadora estava prestes a rachar Elisângela no meio quando alguém avisou que Fábio tinha sido internado no hospital público com suspeita de fratura exposta na virilha. As duas mulheres decretaram o armistício e correram até o hospital para cuidar do pobre coitadinho. Combinaram que fariam revezamento na vigília do amado e que levariam sempre alguma comidinha gostosa para ele comer. Sandrinha até levou um pouco de feijoada com maionese e farofa que sobrou da festa do casamento.
Nos próximos meses, Elisângela descobriria que estava grávida de Fábio. Sandrinha, ao descobrir sobre a gravidez da rival, ficaria maluca e fugiria para o México, onde se casaria com o ex-jogador francês. O ex-lutador de boxe seria preso por abusar sexualmente das mulatas, mas seu advogado daria um jeito de tirá-lo da cadeia. Muito barraco ainda iria rolar nessa história, mas apesar de todos os contratempos todos ficariam felizes no final. Apesar das traições e da violência, novela sempre acaba em festa, com direito a casamentos e nascimento de crianças.

Autoria: O chinelo da minhoca
Foto: novela Tititi (Globo) - retirada do site http://www.mundonovelas.com.br




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