terça-feira, 16 de abril de 2013

RODÍZIO



Eu estava andando pela rua. Já havia passado do meio dia e minha barriga implorava por comida. Ao dobrar uma esquina, me deparei com uma churrascaria. Meus olhos fitaram o anúncio “O melhor rodízio da cidade”. Rodízio! Sem pensar duas vezes, entrei no restaurante. Enquanto procurava uma mesa, comecei a reparar nas pessoas. Todas rindo, conversando, comendo e bebendo. Fiquei impressionado. Como é que podiam ser tão inocentes? Será que não percebiam o que estava acontecendo? Pobres criaturas. Não entendem o que é o rodízio. O verdadeiro rodízio... O rodízio, na verdade, é uma guerra! Uma batalha sangrenta que é travada entre os clientes e os funcionários da churrascaria! Os garçons são soldados sob o comando do gerente, que pode ser considerado o general. A estratégia do inimigo é bem simples: os soldados empurram carne atrás de carne, ao mesmo tempo em que oferecem bebidas insistentemente. O cliente incauto cai nessa armadilha gastronômica e se satisfaz rapidamente, contribuindo para o lucro do exército adversário. Isso sem contar os infelizes que levam mulheres e crianças para o rodízio. O inimigo não perdoa. E é exatamente por isso que eu digo que rodízio é coisa para macho! E o macho tem que ter a seguinte ideia na cabeça: só se entra em um rodízio quando você tem a certeza de que vencerá a batalha, ou seja, dará prejuízo ao estabelecimento. Eu sou o tipo de cara que segue essa máxima. Sentei-me na mesa mais próxima à cozinha. Assim poderia ficar de olho nas manobras inimigas. O gerente veio ao meu encontro e indagou se eu ia querer o rodízio. Ao ouvir minha resposta afirmativa, seus olhos brilharam perversamente e um sorriso cínico tomou conta de seus lábios. Miserável! Mal sabia ele que estava lidando com um profissional. Um veterano de grandes confrontos... Ele deu o comando e seus soldados vieram ao meu encontro. Com toda a minha experiência, sabia que deveria aceitar apenas as carnes nobres. Nada de exaurir minhas forças com carnes duras, de segunda. E o tiro inicial foi dado. Daí para frente foi uma mistura de alcatra, sal grosso, filet mignon, alho, picanha, sangue, suor e saliva. O inimigo atacava por todos os lados e eu me defendia corajosamente. E o tempo foi passando... Após algumas horas de conflito, o inimigo reuniu todos os homens e partiu para um ataque em massa. Esse seria devastador, não fosse o meu oportuno recuo para o toalete. Fiquei entrincheirado até recobrar a minha auto-confiança. Depois de uma breve digestão, saí e comecei o contra ataque. Fui impiedoso. Os soldados se desesperavam ao mesmo tempo em que o general ligava para o açougue e pedia mais munição. Já dava para sentir o bem temperado gostinho da vitória. Depois de alguns minutos, o exército inimigo se reuniu na cozinha. Com certeza estavam tentando achar uma saída. Mas não havia saída! O gerente veio até minha mesa e perguntou, com a voz trêmula, se eu estava sendo bem servido. Se estava satisfeito. Há! Era a rendição! O fato do gerente vir falar comigo significava que eles, após horas de tentativas frustradas, haviam chegado à conclusão que não tinha nada que eles pudessem fazer para controlar a minha fúria animal. Era o pedido de perdão. Como um bando de crianças assustadas, eles clamavam por minha partida. Estavam onde eu queria: em minhas mãos... Mas não iam se livrar de mim assim tão facilmente. Apesar de estar completamente empanturrado, eu resolvi que não deveria aceitar o armistício. Não ainda. Afinal de contas, eu queria que aquela carnificina servisse de exemplo para as gerações futuras. Um marco na história da sociedade carnívora! Um garoto saiu da cozinha carregando coraçõezinhos. Corações... Era isso! Eles seriam o símbolo da minha vitória. Minha sede de sangue seria saciada pelos corações dos inimigos! Que metáfora fantástica! Olhei para o garoto. Por um breve instante fiquei com pena dele. Era apenas mais uma vítima inocente desse mundo insano em que vivemos. Humanidade torturada ardia em meus olhos. Não! Percebi que estava me desviando do meu objetivo. Na guerra não existe glória para os fracos e emotivos. Chamei o rapaz. Nada. Fingiu que não me escutou. Chamei novamente, dessa vez com mais vigor. Ele não teve escolha. Aproximou-se de mim. Dava para ver o medo em seus olhos. Eu não hesitei. Olhei bem no fundo da amargurada alma daquele rapaz, apontei para o meu prato vazio e exclamei em tom de triunfo: Limpa o espeto! Ele obedeceu e voltou correndo para a cozinha, talvez com medo de ser a sobremesa. Devorei tudo e, por fim, pedi a conta. Minha missão havia sido completada com êxito. Na hora de pagar, o único sorriso cínico era o meu, pois o gerente não conseguia sorrir e soluçar de desespero ao mesmo tempo. Lancei um olhar frio para os garçons e fui em direção à porta em passos lentos e meio descoordenados, pois minhas pernas sentiam o peso da contenda. Dei uma última olhada para trás, me prevenindo de um eventual ataque pelas costas, e alcancei a saída. Dobrei a esquina e ainda pude ouvir um último soluço do gerente. 

Autoria: O chinelo da minhoca
Imagem: internet

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