quarta-feira, 27 de abril de 2011

ENTRANDO PELO CANO

Férias de verão. Nessa época de calor não tem nada melhor do que passar uma temporada num resort de praia. E lá estava eu, curtindo um banho de mar com meus pais, meu amigo Gustavo e minha avó, que tinha acabado de comemorar seus oitenta anos. Eu e meu amigo resolvemos experimentar o mergulho no maior toboágua da América, que era conhecido como “o exterminador de corajosos”. Entramos na fila e, após alguns minutos, chegou a nossa vez. O Gustavo sentou na sua bóia e foi na frente. Esperei um pouco e desci também. Era fenomenal. O toboágua era uma espécie de canudinho contorcido gigante, cheio de curvas radicais e completamente escuro. Durante todo o percurso, eu fiquei me segurando firmemente nas duas alças laterais da bóia, temendo o que poderia me acontecer se me soltasse delas. Depois de muitas cambalhotas, “loopings”, curvas fechadas e descidas velozes, finalmente eu enxerguei a esperada luz no fim do túnel. Fui arremessado na piscina com tanta velocidade que demorei quase um minuto para perceber que estava debaixo d’água e precisando de oxigênio. Senti algo encostando em minha perna e vi que o Gustavo estava ainda submerso. Puxei-o para cima pelos cabelos e perguntei se ele estava bem. Depois de cuspir meio litro de água e de recuperar a sua perfusão cerebral, ele agitou a cabeça e balbuciou que estava ótimo, ou algo parecido. Nesse momento, minha mãe chegou e perguntou o que estávamos fazendo. Também questionou o fato do Gustavo estar roxo. Eu disse que nós estávamos curtindo as atrações do parque aquático e ela pediu que nós passássemos mais tempo com a minha avó, pois ela estava muito desanimada. Súbito, uma idéia marota me invadiu a cabeça. Olhei para o Gustavo e percebi que ele havia pensado na mesma coisa.
- Pode deixar, mãe. Nós vamos levar a vovó em um passeio inesquecível.
- Isso mesmo! – completou Gustavo – Ela vai a-do-rar!
Mas minha mãe ficou desconfiada e decidiu ir junto para fiscalizar as nossas ações. E lá fomos nós, felizes e descontraídos. Nosso destino? Nada menos que “o exterminador”.
- O quê nós estamos fazendo nessa fila? – perguntou a minha avó.
- Nós vamos descer no escorregador, vó! Vai ser legal!
- Escorregador? Mas isso não é perigoso? – indagou a minha mãe.
- Que nada. É mais fácil você ser atacado por alienígenas albinos que se machucar nesse tipo de brinquedo – disse Gustavo com um tom sarcástico.
- Mas por que a fila está subindo por aquela escadaria? Esse escorregador deve ser muito alto.
- É porque a piscina fica em um plano mais elevado, como se fosse no segundo andar do parque, entendeu? – expliquei, tentando disfarçar.
E dessa maneira nós fomos, lentamente, conduzindo as duas até o temido “escorregador”.
- Filho, aquela placa ali está falando que esse brinquedo é proibido pra menores de dezoito anos. Acho que esse negócio é perigoso.
- Que bobagem, mãe! Eles criaram essa regra para afastar as crianças. Já imaginou se o brinquedo fosse permitido para essa molecada toda que está aqui no parque? Isso ia virar uma bagunça, os pais iam ficar preocupados, e a fila não seria tão organizada. Não precisa se preocupar.
- Mas também está escrito na placa que o brinquedo é proibido para quem não sabe nadar. E eu e a sua avó não sabemos. Acho melhor ir embora.
- Besteira! – interviu Gustavo – Eles colocam isso até nas piscinas de bebê. É um aviso padrão. Na verdade, o que eles querem dizer é que seria muito mais divertido se você soubesse nadar, mas se não souber, tudo bem.
- E também não é recomendado para pessoas portadoras de cardiopatias.
- É porque esse pessoal é muito fresco. “Ai! Cuidado comigo que eu sou cardiopata! Deixa eu furar a fila porque eu sou cardiopata!”. Devia estar escrito assim: “Esse brinquedo inofensivo não é recomendado para pessoas frescas e/ou cardiopatas”.
E, enquanto explicávamos todas as vertentes de interpretação das advertências de perigo, fomos nos aproximando da boca do monstro. A minha mãe parecia não estar gostando muito daquilo tudo. Por outro lado, minha avó parecia não se preocupar. Acho que ela devia estar pensando que nós não seríamos loucos de colocar a vida dela em risco. Mas, ao chegar ao topo da escadaria, ela começou a rever os seus conceitos sobre a sanidade mental da nossa juventude. O segurança que organizava a fila me perguntou se elas sabiam nadar. Levamos o rapaz para um canto e explicamos que ele não deveria se preocupar, pois aquelas duas senhoras eram as internacionalmente famosas Rose e Sophie, mãe e filha, vencedoras de várias medalhas de ouro em provas de mergulho em grandes profundidades. Inacreditável, mas o rapaz acreditou nessa história ridícula. A hora da verdade estava próxima. Agora só faltavam quatro pessoas na frente das duas. Por via das dúvidas, mandei o Gustavo descer as escadas e ficar esperando na saída do toboágua. Ele deu uma desculpa qualquer para minha mãe e desceu correndo na contramão da fila. E chegou a vez da minha avó.
- Por aqui, dona Rose. – disse o segurança – Vou ajudar a senhora a descer.
Minha avó não entendeu porque foi chamada de Rose, mas também não reclamou. O rapaz a colocou sentada na bóia e a empurrou escuridão adentro naquele enorme tubo.
- Tem certeza que é seguro? – perguntou a minha mãe, enquanto esmagava o meu braço e tremia igual uma gelatina.
- Não precisa se preocupar. Eu estou indo logo atrás. – disse, empurrando-a para o buraco.
E foi nesse momento que eu comecei a perceber que aquela brincadeira não tinha sido saudável. Todos no parque escutaram os gritos da minha mãe, que pareciam ter sido amplificados pela parede tubular do túnel. Rapidamente, me atirei sobre uma bóia e pulei atrás dela. Os gritos de socorro eram ensurdecedores. As paredes do toboágua tremiam como se estivesse ocorrendo um terremoto. E eu escutava vários sons de pancadas. Era um tal de paf, pow, tum, entre outras onomatopéias. E de repente uma coisa bateu no meu rosto. Era a bóia da minha mãe. Agora estava tudo perdido. Quais eram as chances de alguém sobreviver ao “exterminador” sem a bóia? Algo em torno de uma em quarenta, se a pessoa nadar bem. E foi aí que me lembrei que nem nadar a minha mãe sabia. Agora as chances não seriam maiores do que uma em duzentos e trinta. Fiquei alguns instantes fazendo cálculos estatísticos e quando percebi já estava me aproximando do final do percurso. Prendi a respiração e fui atirado na água. Quando consegui alcançar a superfície, me deparei com o Gustavo tentando tirar minha mãe da água, e ela esperneando, chorando, gemendo, toda descabelada e perguntando pela minha avó.
- É mesmo. Cadê a vovó?
- Achei que estava com você. Eu demorei para descer as escadas, e quando cheguei aqui embaixo a sua mãe já estava se afogando. Nem vi a sua avó.
- Mamãe morreu! – gritou a minha mãe, desesperada.
- Nós vamos descer de novo? – interrompeu a minha avó, que ainda estava sentada em sua bóia, mostrando que de besta ela não tinha nada.
- É claro que não! Será que a senhora não percebeu que esses dois irresponsáveis quase nos mataram? Acho que até fraturei a minha cabeça! – gritou minha mãe.
E nós começamos a ouvir um dos maiores sermões que a humanidade já escutou. Só não fomos excomungados da igreja católica porque minha mãe não achou nenhum padre de férias ali no parque. E nisso, meu pai apareceu e perguntou o que nós estávamos fazendo. Eu já estava até vendo o tamanho do castigo que iríamos receber. Porém, para nossa surpresa, minha mãe pegou meu pai pelo braço e saiu levando ele para conhecer um escorregador muito legal que ela havia descoberto. Com certeza ele iria a-do-rar!

Autoria: O Chinelo da Minhoca
* HISTÓRIA MENTIROSA, MAS BASEADA EM FATOS REAIS.
EM HOMENAGEM À VOVÓ CASTORINA, QUE TANTO NOS INSPIROU COM SUA FORÇA E BONDADE.

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