Vampiros
- Filho, onde está você?
- Pai? O quê faz aqui?
- Vim ver como você está. Interessante seu castelo. Pequeno, mas interessante. Onde estão seus vassalos? Preciso que peguem meus pertences na carruagem.
- Não tenho vassalos. E isso aqui é um apartamento.
- Não tem vassalos? E quem são esses garotos?
- Ah, desculpe. São os meus colegas de república. Estes são Martin e Ivan. E esse é o meu pai, o Conde.
- Os escravos tem nomes peculiares nessa região. Peguem minha bagagem.
- Amigos, podem ir na frente. Eu encontro vocês na faculdade. Pai, eles não são escravos. São estudantes como eu.
- Claro. Já entendi. Você os atraiu para cá. Já mordeu algum deles? Aquele gordinho parece ser bem suculento.
- Não. Eu não atraí ninguém. Eles moram aqui. Nós estamos dividindo este apartamento.
- Mas com todo aquele dinheiro que lhe mandei... As coisas devem ser muito caras aqui na Bulgária. Lá na Romênia você estaria vivendo sozinho, como um rei.
- Pai, eu não usei o dinheiro como você mandou. Eu gastei com outras coisas. Por isso não sobrou muito e tive que dividir os gastos com alguns amigos.
- Quer dizer que você não é dono de nenhum castelo nas montanhas?
- Não.
- Não subornou criminosos para que eles assumissem as suas carnificinas?
- Não cometi nenhuma. Desculpe-me, mas eu preferi investir na minha educação, ao invés de gastar com essas extravagâncias. Ingressei em uma faculdade de medicina. Estou quase me formando.
- Mas o que foi que deu em você? Suas cartas diziam que você estava aterrorizando os vilarejos, atacando os camponeses, tornando a noite um lugar sombrio e incerto. Todas aquelas palavras bonitas eram mentiras?
- Escrevi aquilo para deixá-lo feliz. Sei que gostaria que eu seguisse os seus passos, mas creio que sou diferente.
- Não acredito. E aquela carruagem de tração nas quatro rodas, 8 cavalos de potência, com carroceria negra de cor metálica? Aquela que eu enviei pra você no ano passado.
- Vendi. Estou estudando em uma faculdade particular. Os gastos são altos. O material e as mensalidades custam um verdadeiro absurdo. E ainda tenho os gastos com o banco de sangue.
- Banco de sangue? Existem bancos que guardam sangue? Que conveniente! Como eu faço pra abrir uma conta?
- Eu tenho que pagar uma das enfermeiras para que ela me arranje algumas bolsas toda semana. Ela acha que estou ajudando um parente moribundo. É assim que tenho me alimentado nos últimos anos.
- Você não está caçando suas vítimas?
- Não gosto mais de caçar.
- Mas você era tão esperto. Sempre conseguia pegá-las de surpresa.
- Isso foi antes de estudar as diversas doenças que são transmitidas pelo sangue. Sabia que podemos pegar hepatite, sífilis, HIV? Podemos pegar várias doenças com essa mania bárbara de beber o sangue ainda quente. Agora só me alimento de sangue aprovado pelos rigorosos testes do banco de doação de sangue.
- Você bebe sangue frio? Que horror. Nem consigo imaginar uma coisa tão insossa.
- Não é tão ruim como pensa. Eu esquento no microondas, coloco um pouco de sal, tomate, e algumas verduras, e depois bato tudo no liquidificador. Fica leve, saudável e rico em fibras. Meu proctologista disse que eu preciso de fibras para formar um bolo fecal mais eficiente. Não quero sofrer de hemorróidas como o senhor.
- Dobre a língua para falar das minhas hemorróidas, mocinho! Elas estão na família há mais tempo que você. E por que tanta preocupação com a saúde? Somos vampiros. Não morremos de doenças. Nossos únicos inimigos são a luz do sol e as estacas de madeira.
- Pelo menos é o que você acha. Antes todos achavam que a terra era plana. E se num futuro próximo descobrirmos que podemos adquirir herpes genital, ou algum tipo de câncer? E se a nossa aversão à luz solar for um sintoma de alguma síndrome hereditária? Acho que não custa nada tomar alguns cuidados.
- Você gastou nossos tesouros com bobagens. Ousou macular nosso alimento mais valioso com verduras. Agora está tendo uma crise de filantropia.
- Hipocondria.
- Que seja! Eu não consigo acreditar em tamanha blasfêmia. O quê sua mãe diria se ouvisse estas baboseiras?
- Eu só quero ser como as outras pessoas, pai. Quero ser uma pessoa normal.
- Você está entediado, isto sim. Vou preparar um grande baile de máscaras, regado a “O” positivo. Podemos até convidar alguns nobres, com aquele sanguinho azul tipo “blue label”. Com certeza você irá se animar.
- Não. Eu não quero mais tirar a vida das pessoas. Estou estudando para curá-las de suas mazelas. Recuso-me a continuar sendo um parasita, um espoliador, provocando mortes e anemias agudas.
- Um vampiro com crise de consciência. Era só o que me faltava.
- Eu ficaria muito feliz se o senhor respeitasse a minha decisão de me tornar um membro comum e respeitado da comunidade.
- Eu te digo o que vou fazer. Vou pedir uma pizza. Onde está o telefone?
- Ótimo. Já é um bom começo.
- Assim que o entregador aparecer eu vou hipnotizá-lo e você irá morder a sua jugular. Isso vai restaurar a sua memória sanguinária e trazê-lo de volta para o meu mundo.
- Pai, tem outra coisa que preciso te dizer.
- O que foi? Vai dizer que agora tem nojinho de morder o pescoço de quem você não conhece? Vai querer dar um banho no entregador e passar uma toalhinha de álcool no pescocinho dele?
- É que eu fui ao dentista no mês passado e...
- Não. Você não faria isso.
- Eu estava um pouco confuso...
- Não. Eu não quero ouvir. Não diga mais nada.
- Eu fiz uma cirurgia de mudança de caninos.
- Nããããããããããooooooo!
- Mas ficou muito bom. Você quer ver?
- Não se aproxime! É demais para mim!
- Agora não preciso tomar pontos quando mordo a minha língua. Olha aqui.
- Saia de perto de mim! Eu não te reconheço mais! Você não é mais o meu filho.
- Eu guardei os antigos nesse vidrinho.
- Ai! Meu peito! Acho que estou tendo um infarto!
- Para de dar piti, pai.
- Não está vendo que seu pai está morrendo de desgosto? Ligue para o Igor e mande ele trazer o meu caixão.
- Eu não sei qual é o telefone do Igor.
- Acho que a dor está irradiando para a minha perna. Desta vez eu não escapo. As trevas estão prestes a perder seu amado príncipe.
- O infarto irradia é para o braço.
- Agora passou para as costas!
- Deixa eu te ajudar. O senhor deve estar é cansado da longa viagem. Deite-se um pouco no meu caixão. Ele é ortopédico e ainda vira beliche.
- Devo estar mesmo doente. Comecei a tremer agora.
- Eu liguei o vibrador.
- Mas que raio de caixão é este?
- Eu vou ali na farmácia comprar um diazepam pra você. Espera um pouco que vou buscar minha capa. Lá fora está gelado.
- O que você fez com sua capa?
- Pintei de amarelo e coloquei uns detalhes de strass Swarovski. Não ficou chique?
- Ai! Traz logo o diazepam e o Van Helsing pra enfiar uma estaca no meu peito!
Autoria: O Chinelo da Minhoca
Autoria: O Chinelo da Minhoca
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